A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão de
segunda instância que condenou um banco a devolver em dobro o valor
cobrado por uma dívida já quitada, ainda que o consumidor não tenha
chegado a fazer o pagamento infundado. No recurso, o banco alegava que o
artigo 42
do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a devolução em dobro dos
valores cobrados indevidamente apenas na hipótese de ter havido
pagamento.
Os ministros entenderam que, nas relações de consumo,
quando a falta do pagamento impedir a aplicação do artigo 42 do CDC, a
solução pode se basear no artigo 940
do Código Civil – o qual também estabelece o direito à devolução em
dobro, caso a dívida questionada tenha sido demandada judicialmente e se
comprove a má-fé do suposto credor.
Para o colegiado, embora o
CDC tenha aplicação prioritária nas relações de consumo, a incidência do
Código Civil é possível, principalmente quando a lei específica agravar
a situação do consumidor.
O recurso teve origem em ação de
reparação de danos movida pelo consumidor contra o banco, com o objetivo
de obter indenização por danos materiais e morais em virtude da
cobrança judicial de dívida já paga. O débito discutido tinha origem em
contrato de abertura de crédito para a aquisição de um trator agrícola.
Má-fé
Em
primeiro grau, o juiz reconheceu que houve cobrança indevida por meio
judicial do contrato já quitado pelo consumidor, razão pela qual
condenou o banco a devolver em dobro o valor de R$ 108 mil,
correspondente à dívida cobrada.
A sentença foi mantida pelo
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS). Segundo a corte,
apesar de o processo tratar de relação de consumo, ficou demonstrada a
presença dos requisitos do artigo 940 do Código Civil, inclusive em
relação à má-fé do banco ao ajuizar ação de execução de título
extrajudicial para cobrar dívida já quitada.
Hipóteses distintas
O
ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso especial interposto pelo
banco, destacou que os artigos 940 do Código Civil e 42 do CDC possuem
hipóteses de aplicação diferentes. Segundo o ministro, o artigo 42 não
pune a simples cobrança indevida, exigindo que o consumidor tenha
realizado o pagamento do valor indevido. O objetivo, afirmou, é coibir
abusos que possam ser cometidos pelo credor no exercício de seu direito
de cobrança.
O ministro consignou que, no caso dos autos, o valor
questionado não foi pago duas vezes e, portanto, não haveria
possibilidade de aplicação do artigo 42 do CDC.
Por outro lado, o
relator destacou a jurisprudência do STJ no sentido da possibilidade de
aplicação do artigo 940 do Código Civil quando a cobrança se dá por
meio judicial – mesmo sem ter havido o pagamento – e fica comprovada a
má-fé do autor da ação. O ministro entendeu ser essa a hipótese dos
autos, visto que o TJMS concluiu que houve má-fé por parte do banco, que
insistiu em cobrar dívida já quitada, mesmo após a apresentação de
exceção de pré-executividade e da sua condenação ao pagamento de multa
por litigância de má-fé em embargos à execução.
Valores e princípios
De
acordo com Villas Bôas Cueva, a aplicação do CDC é prioritária nas
relações de consumo. Ressaltou, todavia, que "a aplicação do sistema
jurídico deve ser convergente com os valores e princípios
constitucionais, não podendo adotar métodos que excluam normas mais
protetivas ao sujeito que se pretende proteger – no caso, o consumidor".
O ministro manteve o direito do consumidor ao recebimento em
dobro, concluindo que a aplicação do CC/2002 é admitida, no que couber,
"quando a regra não contrariar o sistema estabelecido pelo CDC,
sobretudo quando as normas forem complementares (situação dos autos),
pois os artigos 42, parágrafo único, do CDC e 940 do CC preveem sanções
para condutas distintas dos credores".
Leia o acórdão.
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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1645589