STJ:INFORME 600/2017

PRIMEIRA SEÇÃO
PROCESSO
MS 20.558-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 22/2/2017, DJe 31/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO ADMINISTRATIVO
TEMA
Concurso público. Mandado de segurança pleiteando participação na segunda etapa. Ação ordinária para assegurar nomeação. Denegação da ordem que prejudica a procedência da demanda. Candidato nomeado para cargo público com amparo em medida judicial precária. Caso concreto. Excepcionalidade. Aposentadoria do impetrante.
DESTAQUE
Quando o exercício do cargo foi amparado por decisões judiciais precárias e o servidor se aposentou, antes do julgamento final de mandado de segurança, por tempo de contribuição durante esse exercício e após legítima contribuição ao sistema, a denegação posterior da segurança que inicialmente permitira ao servidor prosseguir no certame não pode ocasionar a cassação da aposentadoria.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Trata-se de mandado de segurança contra ato do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego que, por meio de Portaria, tornou sem efeito a nomeação, sob amparo de decisão judicial liminar, da impetrante ao cargo de Auditora Fiscal do Trabalho e, consequentemente, de sua aposentadoria. Inicialmente, pontua-se que sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado sob a égide da repercussão geral, deu pela inaplicabilidade da teoria do fato consumado para a manutenção em cargo público de candidato não aprovado em concurso, “e que tenha tomado posse em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, supervenientemente revogado ou modificado” (RE 608.482, DJe 30/10/2014). Logo, se a impetrante estivesse exercendo o cargo, não haveria nenhuma irregularidade no seu afastamento após o trânsito em julgado da decisão judicial desfavorável que lhe permitiu prosseguir no concurso após a primeira etapa. Não obstante a compreensão acima exarada, constata-se que a impetrante, nomeada sob amparo de decisão judicial liminar, exerceu o cargo até o momento de sua aposentadoria, ocorrida vários anos antes da decisão final do mandado de segurança originalmente impetrado por ela para prosseguir no concurso. Nesse contexto, embora o vínculo de trabalho fosse precário, o vínculo previdenciário, após as contribuições previdenciárias ao regime próprio, consolidou-se com a reunião dos requisitos para a concessão de aposentadoria. Ressalte-se, por fim, que a legislação federal estabelece a cassação da aposentadoria apenas nos casos de demissão do servidor público e de acumulação ilegal de cargos (arts. 133, § 6º, e 134 da Lei n. 8.112/1990), não havendo, portanto, respaldo legal para impor a mesma penalização quando o exercício do cargo é amparado por decisões judiciais precárias e o servidor se aposenta por tempo de contribuição durante esse exercício após legítima contribuição ao sistema.

PRIMEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.514.673-RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, por unanimidade, julgado em 7/3/2017, DJe 17/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO ADMINISTRATIVO
TEMA
Servidor Público. Licença-prêmio não usufruída. Conversão em pecúnia. Inclusão do abono de permanência na base de cálculo.
DESTAQUE
O abono de permanência insere-se no conceito de remuneração do cargo efetivo, de forma a compor a base de cálculo da licença-prêmio não gozada.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a saber se o abono de permanência deve integrar a base de cálculo da licença-prêmio não gozada convertida em pecúnia. No âmbito do STJ, a Primeira Seção debruçou-se sobre a natureza jurídica do abono de permanência, concluindo que tal verba possui natureza remuneratória (EDcl no REsp 1.192.556-PE, DJe 17/11/2010)Estabelecida a premissa, a Segunda Turma considerou o abono uma vantagem de caráter permanente, incorporando-se ao patrimônio jurídico do servidor de forma irreversível, vindo a cessar somente com o implemento da aposentadoria. Desse modo, concluiu que o abono de permanência se insere no conceito de remuneração do cargo efetivo, de forma a compor a base de cálculo da licença-prêmio não gozada.

PROCESSO
REsp 1.425.594-ES, Rel. Min. Regina Helena Costa, por unanimidade, julgado em 7/3/2017, DJe 21/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO ADMINISTRATIVO
TEMA
Concurso público. Agente penitenciário. Exame psicotécnico. Subjetividade dos critérios previstos no edital. Eliminação. Legitimidade passiva. Entidade responsável pela elaboração do certame.
DESTAQUE
Em ação ordinária na qual se discute a eliminação de candidato em concurso público – em razão da subjetividade dos critérios de avaliação de exame psicotécnico previstos no edital – a legitimidade passiva será da entidade responsável pela elaboração do certame.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia à discussão quanto à legitimidade passiva em ação ordinária na qual candidatos que se insurgem contra eliminação no exame psicotécnico em concurso público de Agente Penitenciário e Agente de Escolta e Vigilância Penitenciário, promovido por Secretaria de Estado. Com efeito, em ação ordinária na qual se discute a exclusão de candidato em concurso público, a legitimidade passiva toca à entidade responsável pela realização, regulamentação e organização do certame. Ademais, a causa de pedir referiu-se exclusivamente à atuação do órgão responsável pela elaboração do edital, alegando-se subjetividade nos critérios de avaliação do exame psicotécnico, não se enquadrando nas hipóteses de atuação da banca examinadora. Nesse sentido, ratifica-se a orientação já firmada pela Segunda Turma do STJ nos seguintes julgados: RCDESP no REsp 1.267.535-DF, DJe 19/3/2012 e AgRg no REsp 1.360.363-ES, DJe 22/11/2013.

SEGUNDA TURMA
PROCESSO
REsp 1.596.774-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 21/3/2017, DJe 27/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PREVIDENCIÁRIO
TEMA
Habilitação dos herdeiros para o recebimento dos valores previdenciários não pagos em vida ao segurado. Artigo 112 da Lei n. 8.213/1991.
DESTAQUE
Os valores previdenciários não recebidos pelo segurado em vida, mesmo que reconhecidos apenas judicialmente, devem ser pagos, prioritariamente, aos dependentes habilitados à pensão por morte, para só então, na falta destes, serem pagos aos demais sucessores na forma da lei civil.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão gira em torno da possibilidade de os sucessores do segurado falecido no curso do processo, filhos maiores de vinte e um anos e capazes, se habilitarem para o recebimento de diferenças advindas de revisão de benefício previdenciário, reconhecidas judicialmente, na hipótese de existir dependente habilitado à pensão por morte. De início, deve ser enfrentado o âmbito de aplicação do artigo 112 da Lei n. 8.213/1991, se restrita à Administração Pública ou extensiva também ao Judiciário. Quanto ao ponto, prevalece no STJ o entendimento no sentido de que a regra prevista no mencionado dispositivo legal se aplica tanto no âmbito administrativo como no judicial. A norma visa emprestar maior celeridade aos pagamentos dos valores de prestações previdenciárias não recebidas em vida pelo segurado, diante do seu caráter alimentar, atenua os rigores da lei civil para dispensar a abertura de inventário pelos pensionistas e, na falta deles, pelos demais sucessores do falecido. Desse modo, em razão dos princípios que regem o Direito Previdenciário e levando-se em conta a ausência de dispositivo restritivo na Lei de Benefícios, não há como restringir a aplicação do dispositivo à esfera administrativa, até mesmo porque, não é possível dividir o referido preceito legal para valer quanto à desnecessidade de abertura de inventário ou partilha e não valer na parte que dá preferência, sucessiva e excludente, aos dependentes do segurado, para recebimento de valores devidos ao autor que falece no curso da lide. A ideia retratada no dispositivo de lei foi a de excluir os valores do ingresso no espólio, introduzindo uma regra procedimental específica que afasta a competência do Juízo das Sucessões, para legitimar os dependentes previdenciários a terem acesso aos valores decorrentes de ação judicial proposta em vida pelo segurado. (REsp 498.336-PB, Quinta Turma, DJe 30/8/2004). No que toca à legitimidade ativa sucessória, da leitura do mencionado artigo é possível concluir que os dependentes previdenciários têm prioridade, em relação aos demais sucessores, no recebimento de valores não pagos em vida ao segurado. O legislador previu verdadeira exclusão dos demais herdeiros em relação aos dependentes previdenciários, de modo que, os valores não recebidos em vida pelo segurado serão pagos aos dependentes habilitados à pensão por morte, somente na falta destes, aos sucessores civis do falecido, levando-se em conta que nem sempre há coincidência entre os herdeiros do falecido e os seus dependentes habilitados a receber o benefício de pensão por morte. No âmbito do STJ, o tema foi enfrentado pela Terceira Seção, que por diversas oportunidades, como no julgamento do REsp 614.675-RJ (Sexta Turma, DJ 21/6/2004), interpretando o artigo 112 da Lei n. 8.213/1991, consignou as seguintes conclusões: "Trata-se, como se vê, de norma de direito material, que impõe à Administração Pública o dever de pagar os valores previdenciários não recebidos pelo segurado em vida, prioritariamente, aos dependentes habilitados à pensão por morte, para só então, na falta desses, aos demais sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento.”

PROCESSO
REsp 1.441.457-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 16/3/2017, DJe 22/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO TRIBUTÁRIO
TEMA
Contribuição ao PIS e COFINS.. Valores pagos pelas empresas de transportes às empresas rodoviárias que são retidos por estas quando da venda de passagens aos usuários dos serviços de transportes. Conceito de faturamento. Art. 3º da lei n. 9.718/98. Incidência.
DESTAQUE
Incide a contribuição ao PIS e COFINS sobre o valor do percentual repassado pelas empresas de transporte de passageiros às empresas rodoviárias.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O caso refere-se à incidência das contribuições ao PIS e COFINS sobre os valores pagos pelas empresas de transportes às empresas rodoviárias que são retidos por estas quando da venda de passagens aos usuários dos serviços de transportes. No julgamento do RE 585.235-MG (DJe 27/11/2008), o Supremo Tribunal Federal apreciou o recurso extraordinário submetido a repercussão geral e definiu que a noção de faturamento deve ser compreendida no sentido estrito de receita bruta das vendas de mercadorias e da prestação de serviços de qualquer natureza, ou seja, a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais consoante interpretação dada pelo RE n. 371.258 AgR (Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 03.10.2006) e pelo RE n. 400.479-8/RJ (Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 10.10.2006). Quando a empresa é prestadora de serviços de transporte intermunicipal de passageiros que vende suas passagens por meio de empresa rodoviária para a qual destina um percentual de 11% (onze por cento) desta receita que é retido pela própria empresa rodoviária no momento em que vende as passagens aos usuários dos serviços de transporte, evidenciam-se duas relações contratuais Na primeira, ela figura como contratada pelo usuário dos serviços de transporte e, na segunda, ela figura como contratante da empresa rodoviária para efetuar a venda das passagens. Sendo assim, seu faturamento é composto pelo valor integral da venda das passagens, que é a paga pelo primeiro contrato, nele incluído o valor correspondente ao retido pela empresa rodoviária (receita proveniente da prestação de serviços de transporte). O STJ já julgou, por dois recursos representativos da controvérsia e pela Corte Especial, ser ilegítima a supressão de etapa econômica, mediante contrato, como forma de descaracterizar a obtenção de faturamento, base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS. Seguem os precedentes: REsp. n. 1.141.065-SC, Primeira Seção; REsp. n. 1.339.767-SP, Primeira Seção; AgRg nos EREsp. n. 529.034-RS, Corte Especial. O fundamento determinante de todos esses precedentes vinculantes é o de que os contratos firmados pelas pessoas jurídicas contribuintes não podem retirar da base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS parcela de seu faturamento ou receita a pretexto de haver retenção desses valores pela outra parte contratante antes do seu ingresso no caixa da empresa contribuinte. Para haver essa exclusão é preciso lei federal específica. Por oportuno, cabe observar que o CPC/2015 estabelece em seu art. 926 que é dever dos tribunais uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. A integridade e coerência da jurisprudência exigem que os efeitos vinculante e persuasivo dos fundamentos determinantes (arts. 489, §1º, V; 927, §1º; 979, §2º; 1.038, §3º) sejam empregados para além dos processos que enfrentam a mesma questão, abarcando também processos que enfrentam questões outras, mas onde os mesmos fundamentos determinantes possam ser aplicados.

TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.528.627-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 7/3/2017, DJe 14/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO AUTORAL
TEMA
Propriedade intelectual. Direitos Autorais. Alegação de ofensa a direitos autorais na criação de disciplina de pós-graduação da faculdade de letras da UFSC. Objetivos da disciplina e bibliografia básica que seriam idênticos ao de dissertação de mestrado. Não configuração da alegada ofensa.
DESTAQUE
As ideias que servem de base e a bibliografia de que se vale autor de texto de dissertação de mestrado não estão abarcadas pela proteção aos direitos de autor.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na origem, defendeu-se ter havido ofensa a direito de autor, por ter sido utilizada, sem prévia autorização, pesquisa de dissertação de mestrado em programa de pós-graduação de faculdade. Segundo preconiza o art. 7º da Lei n. 9.610/1998, em seu caput, são protegidas as obras intelectuais que configuram criação do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte. Em seu rol exemplificativo de obras protegidas, o art. 7º elenca, em seus incisos I e II, as obras científicas e as conferências, respectivamente. Portanto, não há dúvidas de que a dissertação do autor, bem como as apresentações realizadas em eventos científicos, estão devidamente protegidas à luz do direito autoral. Deve-se averiguar, porém, em que extensão se dá essa proteção. O referido inciso I já sinaliza que a proteção de que gozam as obras literárias e científicas limitam-se ao seu texto. Ademais, o art. 8º do referido diploma expressamente exclui do âmbito de proteção dos direitos autorais as ideias. É basilar na seara dos Direitos Autorais o pressuposto de que, se as obras em si estão sob a proteção dos direitos de autor, as ideias de que decorrem não encontram a mesma proteção. Esta regra se justifica na própria finalidade dos direitos autorais, que é servir de incentivo à produção artística, científica e cultural, de modo a fomentar o desenvolvimento e incentivar a cultura. Para o cumprimento dessa finalidade, ao autor de obra considerada protegida é conferido o monopólio de sua exploração, dependendo de sua prévia e expressa autorização qualquer forma de utilização da obra. Exatamente por este motivo, o ordenamento protege apenas e tão somente a forma de expressão utilizada na obra, e não a ideia nela contida, que se encontra em domínio público e pode ser por todos utilizada. Mais especificamente, o § 3º do art. 7º da Lei n. 9.610/1998 determina que, tratando-se de obra no domínio das ciências, a proteção recai apenas sobre a forma literária ou artística, e não abrange seu conteúdo científico ou técnico. Referida norma tem por finalidade justamente impedir o que pretende a autor: a tentativa de monopolizar um ramo científico ou enfoque técnico sob o pretexto de proteção a direitos de autor. Ressalte-se que, quanto à bibliografia de sua pesquisa, pode-se aplicar, por analogia, o inciso XIII do art. 7º da Lei n. 9.610/1998, que trata das coletâneas, compilações, bases de dados e outras obras, cuja proteção como direitos autorais é assegurada quando, por sua disposição, seleção e organização, configure criação intelectual. Referida proteção, porém, não abarca, de forma alguma, os dados ou materiais em si mesmos, de acordo com o § 2º do referido dispositivo. No meio acadêmico e científico, as pesquisas se desenvolvem normalmente a partir da revisão bibliográfica de pesquisas prévias, que indicam caminhos já percorridos dentro de um campo específico do conhecimento. O compartilhamento de informações científicas no meio acadêmico mostra-se não apenas útil, mas necessário, sendo benéfico para a instituição de ensino e pesquisa, para os pesquisadores e para a sociedade como um todo.

PROCESSO
REsp 1.442.674-PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 7/3/2017, DJe 30/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Contrato de transporte internacional de carga. Insumos. Relação de consumo. Inocorrência. Vinculação entre o contrato principal e o acessório de transporte.
DESTAQUE
Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor - CDC ao contrato de transporte de mercadorias vinculado a contrato de compra e venda de insumos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia central diz respeito à aplicação do CDC a uma pretensão indenizatória decorrente de extravio de insumos (componentes de autopeças) em transporte aéreo. Trata-se de relação jurídica acessória de transporte, vinculada a contrato de compra e venda de insumos para a indústria de autopeças. Na origem entendeu-se que essa relação jurídica de transporte de carga configuraria relação de consumo, fazendo-se uma distinção com a relação jurídica estabelecida no contrato principal. Todavia, não é possível reconhecer a caracterização de relação de consumo no contrato de transporte de mercadoria celebrado no caso. O conceito básico de consumidor foi fixado no CDC, em seu art. 2º, ao estatuir que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária final”. A nota característica dessa definição está na identificação de uma pessoa (física ou jurídica) como destinatária final de um produto ou serviço para que possa ser enquadrada como consumidora. A condição de destinatário final de um bem ou serviço constitui a principal limitação estabelecida pelo legislador para a fixação do conceito de consumidor e, consequentemente, para a própria incidência do CDC como lei especial. Há necessidade, assim, de se estabelecer o alcance dessa expressão, que constitui o elemento teleológico dessa definição. Considera-se destinatário final aquele que, no ato de consumir, retira o bem do mercado. Seguindo nessa linha de raciocínio, a Segunda Seção acabou por firmar entendimento centrado na teoria subjetiva ou finalista (REsp 541.867-BA, DJe 16/5/2005), posição hoje consolidada no âmbito deste STJ. Porém, a jurisprudência, posteriormente, evoluiu para admitir uma certa mitigação da teoria finalista na hipótese em que, embora não verificada a condição de destinatário final, constata-se a vulnerabilidade do consumidor profissional ante o fornecedor. No caso, não se aplica a referida mitigação da teoria finalista, pois a contratante do serviço de transporte sequer alegou a sua vulnerabilidade perante a empresa contratada. Portanto, sob a ótica da teoria finalista, seria o caso de analisar se a contratante do serviço de transporte de carga é destinatária final fática e econômica desse serviço. Contudo, uma vez que a carga transportada é insumo, o contrato celebrado para o transporte desse insumo fica vinculado a essa destinação, não havendo necessidade de se perquirir acerca da destinação econômica do serviço de transporte.

PROCESSO
REsp 1.599.535-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 14/3/2017, DJe 21/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Corretagem de valores e títulos mobiliários. Relação de consumo. Incidência do CDC.
DESTAQUE
Deve ser reconhecida a relação de consumo existente entre a pessoa natural, que visa a atender necessidades próprias, e as sociedades que prestam de forma habitual e profissional o serviço de corretagem de valores e títulos mobiliários.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia à incidência do CDC aos contratos de corretagem de valores e títulos mobiliários. Na legislação que trata das relações de consumo, a definição de consumidor se encontra dispersa em alguns dispositivos do CDC, quais sejam: art. 2º, caput e parágrafo único, art. 17 e art. 29. Cada um deles, endereçando um determinado tipo de situação em que o consumidor possa se encontrar em relação de vulnerabilidade a um fornecedor, mesmo que para isso haja equiparações legais. Após alguma oscilação, a jurisprudência do STJ atualmente se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. (REsp 1.195.642-RJ, DJe 21/11/2012). Com isso, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei n. 8.078/1990, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. A despeito disso, a jurisprudência tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado. Nesse sentido, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte, embora não seja destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. A atividade relacionada à corretagem de valores e títulos mobiliários está regida pelas Leis n. 4.728/1965, 6.385/1976, 6.404/1976, 7.913/1989, 7.940/1989, 8.178/1991, além de diversos atos normativos infralegais. No entanto, apesar da alta incidência de regras reguladoras e uma longa lista de proibições, a natureza da atividade de corretagem de títulos e valores mobiliários não é substancialmente alterada: ainda é uma prestação de serviço a um consumidor final. O valor da operação comercial envolvida em um determinado contrato é incapaz de retirar do cidadão a natureza de consumidor a ele conferida pela legislação consumerista. Assim, o CDC é aplicável tanto ao comércio popular quanto ao consumo de alto padrão. É incabível, aliás, retirar a condição de consumidor de uma determinada pessoa em razão da presunção de seu nível de discernimento comparado ao da média dos consumidores. Assim, mesmo que haja um discernimento acima da média dos consumidores, não deixa de se encontrar o contratante de serviços de investimentos, em relação às empresas, numa situação de clara vulnerabilidade referente à prestação de serviço contratada.

PROCESSO
REsp 1.608.700-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 9/3/2017, DJe 31/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Serviço de telefonia. Cessão de milhares de contratos de participação financeira. Relação de Consumo. Inexistência.
DESTAQUE
A condição de consumidor do promitente-assinante não se transfere aos cessionários do contrato de participação financeira.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia em definir se o cessionário de contratos de participação financeira mantém a condição de consumidor do promitente-assinante. Inicialmente, relembra-se que os contratos de participação financeira têm natureza híbrida, enfeixando duas relações jurídicas autônomas, relativas à (i) prestação do serviço telefônico entre o usuário e a empresa de telefonia, e (ii) à emissão de ações, entre o acionista e a companhia. No caso analisado, as linhas telefônicas e os próprios contratos permaneceram com os promitentes-assinantes, sendo transferida apenas a segunda relação jurídica, concernente aos valores mobiliários. Sobre o tema, é certo que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às ações que têm como objeto o cumprimento de contratos de participação financeira, pois diretamente atrelados ao serviço de telefonia. De fato, o interessado, para ter acesso ao serviço público de telefonia, tinha que obrigatoriamente se tornar acionista da respectiva concessionária. Nesse sentido, justifica-se que a proteção ao consumidor se estenda ao contrato como um todo, tanto no que concerne à prestação de serviços telefônicos quanto à retribuição em ações, pois a condição de acionista era imposta ao consumidor, sendo a administração de seus recursos por terceiros compulsória. Assim, mesmo nas hipóteses em que o adquirente originário vinha a juízo requerer apenas a complementação de ações, sem nenhuma pretensão quanto ao serviço de telefonia, era reconhecida a incidência do estatuto consumerista em virtude de sua vulnerabilidade e, no mais das vezes, hipossuficiência. Outra, porém, é a situação retratada, em que se tem cessionária de milhares de contratos de participação financeira, os quais já foram objeto de outras negociações anteriores. Nesse caso, a pretensão se resume ao recebimento de ações e seus respectivos consectários, não havendo irresignação relativa ao uso dos serviços de telefonia. Não se identifica, também, vínculo com a situação originária do adquirente da linha telefônica, que era compelido a subscrever ações caso quisesse usar o sistema de telefonia. O que se verifica, na hipótese, são transações havidas entre sociedades empresárias, de índole comercial, não se identificando quer a vulnerabilidade, quer a hipossuficiência do cessionário. Além disso, a cessão está resumida à integralidade dos direitos creditícios, participações, direitos acionários, proventos e valores ainda não recebidos, decorrentes dos contratos de participação financeira. Trata-se, portanto, de cessão de crédito e não de cessão de posição contratual, pois não há cessão da inteira posição no ajuste. Assim, considerando que as condições personalíssimas do cedente não se transmitem ao cessionário, a condição de consumidor do promitente-assinante não se transfere aos cessionários do contrato de participação financeira.

PROCESSO
REsp 1.655.722-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 14/3/2017, DJe 22/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação rescisória. Hipótese de cabimento. Violação à literal disposição de lei. Precedente do STJ com eficácia vinculante.
DESTAQUE
Nos casos em que se admite a relativização da súmula 343 do STF, não é cabível propositura da ação rescisória com base em julgados que não sejam de observância obrigatória.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a saber se é possível a propositura de ação rescisória com o argumento de que o acórdão rescindendo confronta a jurisprudência do STJ. Sobre a ação rescisória fundada no inciso V do art. 485 do CPC/73, oportuno destacar que a Súmula n. 343/STF nega o seu cabimento quando o texto legal tiver interpretação controvertida nos tribunais. A despeito disso, o STF tem admitido a ação rescisória por “ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal”, porque “a manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional” (AR 1.478, DJe de 01/02/2012). No âmbito do STJ, a Primeira Seção decidiu que “a ação rescisória é cabível, se, à época do julgamento originário cessara a divergência, hipótese que o julgado divergente, ao revés de afrontar a jurisprudência, viola a lei que confere fundamento jurídico ao pedido” (AgRg nos EREsp 772.233/RS, DJe de 02/05/2016). A Segunda Seção, igualmente, assentou entendimento segundo o qual, “nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vacilante, tiver evoluído para sua pacificação, a rescisória pode ser ajuizada” (AR 3.682/RN, DJe de 19/10/2011). Com efeito, a relativização da Súmula n. 343/STF visa a conferir maior eficácia jurídica aos precedentes dos Tribunais Superiores, ou melhor, “à tese ou ao princípio jurídico (ratio decidendi) assentado na motivação do provimento decisório”, que é o precedente em sentido estrito. No entanto, convém destacar que embora todos os acórdãos exarados pelo STJ possuam eficácia persuasiva, funcionando como paradigma de solução para hipóteses semelhantes, nem todos constituem precedente de eficácia vinculante. Pela sistemática do CPC/73, apenas aqueles processados na forma do art. 543-C têm natureza impositiva para os órgãos subordinados. Já a nova sistemática adotada pelo CPC/15 impõe aos juízes e tribunais a observância obrigatória dos acórdãos proferidos pelo STJ em incidente de assunção de competência e julgamento de recurso especial repetitivo; e também da orientação do plenário ou do órgão especial (art. 927). Nessa toada, a despeito do nobre papel constitucionalmente atribuído ao STJ, de guardião da legislação infraconstitucional, não há como autorizar a propositura de ação rescisória – medida judicial excepcionalíssima – com base em julgados que não sejam de observância obrigatória, sob pena de se atribuir eficácia vinculante a precedente que, por lei, não o possui. Isso porque, a se admitir que a parte pudesse ajuizar a ação rescisória com base em quaisquer julgados do STJ, ainda que refletissem a “jurisprudência dominante”, estar-se-ia impondo ao Tribunal o dever de decidir segundo o entendimento neles explicitado, o que afronta a sistemática processual dos precedentes. Em atenção à segurança jurídica, portanto, a coisa julgada só há de ser rescindida, com base no art. 485, V, do CPC/73, acaso a controvérsia seja solucionada pelo STJ em sentido contrário ao do acórdão rescindendo, por meio de precedente com eficácia vinculante (art. 543-C do CPC/73 ou art. 927 do CPC/15), que unifica a interpretação e aplicação da lei.

PROCESSO
REsp 1.641.160-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 16/3/2017, DJe 21/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de cobrança. Pagamento do débito por terceiro. Extinção do processo, sem resolução do mérito, por perda superveniente de interesse processual. Condenação ao pagamento dos ônus da sucumbência. Rateio entre as partes.
DESTAQUE
Nas hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito provocada pela perda do objeto da ação em razão de ato de terceiro e sem que exista a possibilidade de se saber qual dos litigantes seria sucumbente se o mérito da ação fosse julgado, o pagamento das custas e dos honorários advocatícios deve ser rateado entre as partes.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a determinar quem deve ser condenado ao pagamento dos ônus da sucumbência quando o processo de ação de cobrança é extinto, sem resolução de mérito, em virtude de pagamento efetuado por terceiro. O STJ, em inúmeras oportunidades, já se manifestou no sentido de que, em função do princípio da causalidade, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento das custas e dos honorários advocatícios. Ademais, a jurisprudência desta Corte é assente na orientação de que, sendo o processo julgado extinto, sem resolução de mérito, cabe ao julgador perscrutar, ainda sob a égide do princípio da causalidade, qual parte deu origem à extinção do processo sem julgamento de mérito, ou qual dos litigantes seria sucumbente se o mérito da ação fosse, de fato, julgado. A situação versada nos autos demonstra que é inviável imputar a uma ou a outra parte a responsabilidade pelos ônus sucumbenciais, de modo que se mostra adequado que cada uma das partes suporte os encargos relativos aos honorários advocatícios e às custas processuais, rateando o quantum estabelecido pela sentença.

PROCESSO
REsp 1.508.929-RN, Rel. Min. Moura Ribeiro, por unanimidade, julgado em 7/3/2017, DJe 21/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Execução de astreintes. Interposição de apelação. Não conhecimento. Impossibilidade de redução de ofício do valor da multa.
DESTAQUE
O valor das astreintes não pode ser reduzido de ofício em segunda instância quando a questão é suscitada em recurso de apelação não conhecido.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a saber se órgão julgador pode conhecer de ofício determinada questão e emitir pronunciamento de mérito a seu respeito mesmo quando não aberta a sua jurisdição. Com efeito, na linha dos precedentes deste STJ, a decisão que fixa a multa cominatória não faz coisa julgada, podendo ser modificada a qualquer tempo, mesmo na fase executiva, até de ofício. Contudo, isso não quer dizer que o órgão julgador está autorizado a conhecer de ofício do tema em recurso que não tenha nem sequer ultrapassado a instância de conhecimento, isto é, que não tenha sido nem mesmo admitido. No caso, o recurso de apelação não poderia ter sido conhecido. Nesses termos, se o apelo não foi conhecido, é mister concluir que tampouco se abriu a jurisdição recursal, razão pela qual impossível a emissão de qualquer pronunciamento de mérito, ainda que de ofício. Dizer que determinada questão pode ser conhecida de ofício significa reconhecer que o juiz pode decidi-la independentemente de pedido, mas há de haver um momento processual adequado para tanto. Admitindo-se que o momento adequado para a entrega de uma prestação jurisdicional de mérito só se inaugura, no caso dos recursos, quando ultrapassada sua admissibilidade, tem-se de concluir que, no âmbito recursal cível, não cabe pronunciamento meritório de ofício sem que o recurso tenha sido previamente admitido.

PROCESSO
REsp 1.493.067-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 21/3/2017, DJe 24/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação civil pública. Indisponibilidade de bens. Integralidade do patrimônio. Execução. Expropriação. Adjudicação de bem. Coisa determinada e específica. Impedimento. Ausência.
DESTAQUE
A indisponibilidade de bens do executado deferida em ação civil pública não impede a adjudicação de um determinado bem ao credor que executa o devedor comum com substrato em título executivo judicial.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cumpre salientar que se o devedor não adimplir espontaneamente com as prestações a que se sujeitou, a atuação do Estado é necessária para compeli-lo a satisfazer o direito de crédito de um determinado credor previsto em um título executivo. Nessa hipótese, a fim de evitar que essa atividade estatal seja infrutífera, o ordenamento jurídico prevê meios de remediar e precaver essa situação, evitando a gestão ruinosa do devedor sobre seu patrimônio por meio de determinadas medidas que atuam sobre seu poder de livremente dispor de seus bens. A indisponibilidade é uma dessas medidas destinadas à garantia da satisfação de uma dívida. Trata-se de cautelar inominada, deferida com substrato no poder geral de cautela do juiz, por meio da qual é resguardado o resultado prático de uma ação pela restrição ao direito do devedor de dispor sobre a integralidade do seu patrimônio, sem, contudo, privá-lo definitivamente do domínio. Diferentemente do que ocorre na indisponibilidade, no arresto, a perda do poder de disposição incide sobre um determinado ou determinados bens porque já se sabe quantos deles serão necessários à satisfação da dívida, o que é justificado pelo fato de que sua decretação depende da existência de prova literal da dívida líquida e certa. Além disso, o arresto “apenas importa na ineficácia da transmissão dominial” (REsp 819.217/RJ, Terceira Turma, DJe 06/11/2009; REsp 487.921/SP, Quarta Turma, DJe 2/5/2013), haja vista que a ineficácia se restringirá apenas a um negócio jurídico realizado sobre um bem específico, dada sua vinculação à dívida a ser executada. Ademais, diferentemente da indisponibilidade cautelar, a inalienabilidade e impenhorabilidade legal e a voluntária incidem somente sobre bens determinados, não sobre a integralidade do patrimônio do devedor. Já a expropriação é o ato final da execução por quantia certa, consistindo no ato da autoridade judicial por meio do qual se retira coativamente a propriedade ou posse de alguém com o objetivo de obter-se a prestação suficiente à satisfação do crédito exequendo. Por se tratar de atuação coativa do Estado, a adjudicação não pode ser impedida pela cautelar atípica de indisponibilidade de bens, a qual atua sobre o poder de o devedor dispor sobre todo seu patrimônio de acordo com sua vontade. Ademais, não havendo um direito de preferência especial de um outro credor sobre um bem determinado do devedor, a adjudicação não pode ser obstruída pela indisponibilidade, que não impõe a um bem específico a situação de inalienabilidade ou impenhorabilidade, afastando sua sujeição à execução. Caso contrário, se a indisponibilidade impedisse a penhora ou a expropriação do bem do patrimônio do devedor, conforme asseverou o i. Min. Ruy Rosado de Aguiar, “o réu com bens indisponíveis receberia um bill de indenidade e, uma vez extinta a ação civil, teria conseguido manter o patrimônio livre de execuções, em prejuízo dos seus credores, que nenhuma relação têm com os atos que determinaram aquela iniciativa ” (REsp 418.702/DF, Quarta Turma, DJ 07/10/2002).

PROCESSO
REsp 1.311.071-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 21/3/2017, DJe 24/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Alienação fiduciária em garantia. Busca e apreensão. Rito do Decreto-Lei n. 911/1969. Legitimidade ativa. Instituições financeiras e sociedades equiparadas. Organização da sociedade civil de interesse Público - OSCIP. Instituição de Microcrédito Produtivo Orientado. Classificação ou equiparação com instituição financeira. Impossibilidade.
DESTAQUE
A organização da sociedade civil de interesse público - OSCIP -, mesmo ligada ao Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO, não pode ser classificada ou equiparada à instituição financeira, carecendo, portanto, de legitimidade ativa para requerer busca e apreensão de bens com fulcro no Decreto-Lei n. 911/1969.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia dos autos a definir se as pessoas jurídicas qualificadas como organizações da sociedade civil de interesse público - OSCIP - podem utilizar a ação de busca e apreensão, pelo rito do Decreto-Lei n. 911/1969, para recuperar a posse de bens vinculados à alienação fiduciária acessória do contrato de abertura de microcrédito, vinculado ao Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO. De acordo com as disposições do art. 8º-A do Decreto-Lei n. 911/69, o procedimento judicial de Busca e Apreensão por ele regulado aplica-se exclusivamente às hipóteses de operações do mercado financeiro e de capitais e de garantia de débitos fiscais ou previdenciários. Conclui-se, assim, por todos os vértices de análise, que a retomada de bens pelo procedimento célere do Decreto-Lei n. 911/1969 é instrumento exclusivo das instituições financeiras e das sociedades com elas equiparadas. De acordo com os arts. 17 e 18 da Lei n. 4.595/1964, são instituições financeiras as pessoas jurídicas públicas e privadas que, mediante prévia autorização do Banco Central, tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Na mesma toada, a Lei n. 9.790/1999, legislação responsável pela qualificação das pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como organizações da sociedade civil de interesse público, determina que dentre as atividades vedadas para esses entes de cooperação estão as "creditícias que tenham qualquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal". Por seu turno, a Lei n. 10.194/2005 equiparou à instituição financeira, exclusivamente, as sociedades de crédito ao microempreendedor e à empresa de pequeno porte, pessoas jurídicas que têm sua constituição, organização e funcionamento disciplinados pelo Conselho Monetário Nacional e sujeitam-se à fiscalização do Banco Central do Brasil, sem fazer remissão à OSCIP que, repita-se, é regida por lei própria (Lei n. 9.790/1999), silente quanto ao tema. Da mesma forma, a lei constitutiva do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO (Lei n. 11.110/2005) elencou as sociedades de crédito ao microempreendedor e as organizações da sociedade civil de interesse público como instituições de microcrédito distintas, dedicando-lhes tratamento individualizado. Desse modo, uma OSCIP - entidade não autorizada pelo Banco Central e de dedicação vedada a atividades ligadas ao sistema financeiro nacional-, por certo, não se insere no conceito de instituição financeira ou pode ser a elas equiparada, circunstância que confirma a sua ilegitimidade para manejar o procedimento de busca e apreensão regulado pelo Decreto-Lei n. 911/1969.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.621.610-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 7/2/2017, DJe 20/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Partilha de bens em dissolução de união estável. Anulação. Coação moral irresistível. Prazo decadencial de 4 anos. Art. 178 do Código Civil. Segurança Jurídica.
DESTAQUE
É de quatro anos o prazo de decadência para anular partilha de bens em dissolução de união estável, por vício de consentimento (coação), nos termos do art. 178 do Código Civil.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia principal está em definir qual é o prazo de decadência do direito de se anular partilha de bens em dissolução de união estável, sob alegação de vício na manifestação da vontade (coação irresistível). No Tribunal de origem, a matéria foi tida como controvertida no âmbito da doutrina e da jurisprudência, ora se entendendo pela aplicação do prazo ânuo – analogia advinda da partilha hereditária decorrente da sucessão causa mortis (arts. 1.029 do CPC/1973 e 2.027 do CC/2002), ora se concluindo pela incidência do prazo geral decadencial de 4 anos para a anulação dos negócios jurídicos em geral (art. 178 do CC/2002). Contudo, sob a vigência do diploma civil anterior, fato é que a questio acabou pacificando-se no âmbito das Cortes Superiores, tanto no STF (quando ainda lhe competia velar pela uniformidade do direito federal) como no STJ, tendo-se definido que o prazo decadencial de 1 ano seria específico para anulação da partilha do direito sucessório, não havendo falar em sua extensão para as demais espécies de partilha amigável, que se submeteriam à regra geral de 4 anos. Não houve alterações de ordem normativa com o advento do Código Civil de 2002, tendo este repetido, no parágrafo único do art. 2.027 (Livro V, Do Direito das Sucessões), o que era previsto no art. 1.805 c/c 178, § 6°, V, do CC/1916, isto é, ficou mantido o prazo único e específico de 1 ano para a anulação da partilha no âmbito da sucessão hereditária. Nessa ordem de ideias, não se verifica mutação jurídico-normativa a justificar alteração da consolidada jurisprudência dos tribunais superiores. Entender de forma diversa acabaria por se trazer insegurança jurídica, repudiando o ordenamento jurídico e a própria ideologia do novel diploma instrumental, que preza justamente pelo prestígio da jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente (CPC/2015, art. 926). Ademais, não parece possível a exegese extensiva, por meio da analogia, quando sabidamente existe, no próprio ordenamento jurídico, regra jurídica geral que se amolda perfeitamente à tipicidade do caso – art. 178 do CC, que estabelece o prazo de decadência de 4 anos para anular, por vício da vontade (erro, dolo, coação e lesão) o negócio jurídico, como sói a partilha fruto da autonomia da vontade para dissolução de casamento ou união estável. Deveras, é inadequada a utilização de interpretação extensiva de uma exceção à regra geral - arts. 2.027 do CC e 1.029 do CPC/73, ambos inseridos, respectivamente, no Livro "Do Direito das Sucessões" e no capítulo intitulado "Do Inventário e Da Partilha" -, para o preenchimento de lacuna inexistente (já que o art. 178 do CC normatiza a questão), ainda mais quando a exegese acaba por limitar ainda mais os direitos subjetivos, já que a adoção de prazo decadencial reduzido acarreta, inarredavelmente, em extinção mais rápida do direito da parte.

RECURSOS REPETITIVOS - AFETAÇÃO
PROCESSO
REsp 1.602.042-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 3/4/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA
Discute-se a validade da transferência ao consumidor da obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa 'Minha Casa, Minha Vida'. REsp 1.601.149-RS e REsp 1.602.042-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 3/4/2017.

STJ:INFORME 601/2017

RECURSOS REPETITIVOS
PROCESSO
REsp 1.389.750-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/12/2016, DJe 17/4/2017. (Tema 879)
RAMO DO DIREITODIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de repetição de indébito. Tarifa de energia elétrica. Relação contratual. Consumidor e concessionária do serviço público. Interesse da ANEEL. Não ocorrência, em regra.
DESTAQUE
Não há, em regra, interesse jurídico da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – para figurar como ré ou assistente simples de ação de repetição de indébito relativa a valores cobrados por força de contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre usuário do serviço e concessionária do serviço público.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Sob o rito do art. 543-C do CPC (atualmente 1.036 e seguintes do CPC/2015), foi admitida a seguinte tese controvertida: "questão atinente ao interesse jurídico da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para figurar no polo passivo de ação revisional e de repetição de indébito relativa a contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre usuário do serviço e concessionária do serviço público". O Superior Tribunal de Justiça, por meio de diversos julgados anteriores, sedimentou a compreensão de que não há, em regra, interesse jurídico da ANEEL para figurar como ré ou assistente simples de Ação de Repetição de Indébito relativa a valores cobrados por força de contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre usuário do serviço e concessionária do serviço público.

PROCESSO
REsp 1.564.070-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/3/2017, DJe 18/4/2017. (Tema 941)
RAMO DO DIREITODIREITO PREVIDENCIÁRIO
TEMA
Previdência complementar fechada. Regime financeiro de capitalização. Reajuste do benefício suplementar. Previsão regulamentar de paridade com os índices da previdência oficial. Extensão de aumentos reais. Inviabilidade
DESTAQUE
Nos planos de benefícios de previdência complementar administrados por entidade fechada, a previsão regulamentar de reajuste, com base nos mesmos índices adotados pelo Regime Geral de Previdência Social, não inclui a parte correspondente a aumentos reais.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O ponto nodal da discussão consiste em saber se, em se tratando de plano de benefícios administrado por entidade de previdência complementar fechada, a previsão regulamentar de reajuste, com base nos mesmos índices adotados pelo Regime Geral de Previdência Social, garante também a extensão das taxas correspondentes a eventuais aumentos reais do benefício oficial. Inicialmente, cumpre consignar que previdência complementar e Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional. No âmbito da CF, o art. 202 consagra o regime de financiamento por capitalização, ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar, baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social. Essas reservas, consagradas pela Lei n. 6.435/77, são atualmente regidas art. 1º da LC n. 109/2001. Nessa toada, enquanto a previdência social adota o regime de repartição simples, que funciona em sistema de caixa, no qual o que se arrecada é imediatamente gasto, sem que haja, por regra, um processo de acumulação de reservas, a previdência complementar adota o de capitalização, que pressupõe a acumulação de recursos para a formação de reservas, mediante não apenas o recolhimento de contribuição dos participantes, assistidos e eventual patrocinador, mas também do resultado dos investimentos efetuados com essas verbas arrecadadas (que têm muita relevância para a formação das reservas para o custeio dos benefícios). É dizer, a Lei consagra o princípio, basilar ao regime de previdência complementar, de preservação da segurança econômica e financeira atuarial da liquidez, solvência e equilíbrio dos planos de benefícios, e afasta o regime de financiamento de caixa ou repartição, em que o acerto de contas entre receitas e despesas ocorre por exercícios. Com essas premissas, pode-se concluir que no regime de previdência privada não se admite a concessão de benefício algum sem a formação da prévia fonte de custeio, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial nos planos de benefícios. Aliás, a fórmula apropriada para eventual aumento real de benefício que acaso delibere o Conselho Deliberativo da entidade (Órgão administrativo máximo das entidades fechadas) é estabelecida pelo art. 20 da LC n. 109/2001 – em nítido prestígio ao regime de capitalização –, segundo o qual eventual resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas – ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos –, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor das reservas matemáticas. Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes, será estabelecida reserva especial para a revisão do plano de benefícios que, se não utilizada por três exercícios consecutivos, determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios – que poderá ser feita das mais diversas formas. Sendo assim, como o fundo formado pertence aos participantes e assistidos, o entendimento perfilhado pelo Tribunal de origem – no sentido de conferir interpretação extensiva ao “reajuste” estabelecido no Regulamento Básico da entidade previdenciária –, é incompatível com o art. 3º, VI, da LC n. 109/2001.

CORTE ESPECIAL
PROCESSO
EREsp 1.415.522-ES, Rel. Min. Felix Fischer, por unanimidade, julgado em 29/3/2017, DJe 5/4/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ciência inequívoca da penhora “on-line”. Termo a quo para impugnação. Intimação formal. Prescindibilidade.
DESTAQUE
O termo inicial do prazo para apresentar impugnação ao cumprimento de sentença é contado a partir da ciência inequívoca do devedor quanto à penhora “on-line” realizada, não havendo necessidade de sua intimação formal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A divergência consiste na necessidade de intimação formal da parte para apresentar impugnação à fase de cumprimento de sentença, mesmo após comparecimento espontâneo nos autos. Em um primeiro momento, acentua-se que o CPC/1973 continha disposição relativa ao comparecimento espontâneo nos autos como forma de suprir a citação, conforme artigo 214, § 1º. Destaca-se que tal previsão foi ampliada no Novo Código de Processo Civil, que atualmente expõe no § 1º do artigo 239 que "O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução. " Ora, se a própria lei preconiza ser desnecessário o ato formal de citação quando a parte comparecer espontaneamente aos autos, maior razão dispensá-lo em casos de intimações. Explica-se. A citação é o ato formal que tem por finalidade cientificar à parte da existência da demanda para formação da relação processual. No processo de conhecimento, a consequência jurídica prevista no Código de Processo Civil para aquele que não apresenta resposta no processo é a revelia, com presunção relativa de veracidade dos fatos. Assim, se o comparecimento espontâneo da parte ao processo supre a falta de citação, inexiste motivo para se exigir uma intimação formal do devedor para apresentar impugnação ao pedido de cumprimento de sentença, quando já existe, inclusive, provimento jurisdicional favorável ao credor. Comparando-se com execução de título extrajudicial, se o devedor comparecer espontaneamente aos autos e não apresentar embargos à execução, seu prazo será escoado a contar do comparecimento espontâneo. Ora, em se tratando de fase de cumprimento de sentença existe maior motivo para evitar formalidade exagerada, sendo, portanto, desnecessária a intimação para início do prazo de impugnação quando demonstrada ciência inequívoca do devedor quanto à penhora realizada nos autos. A parte não pode se valer de sua própria torpeza, comparecendo ao processo espontaneamente e a posteriori alegar que não foi iniciado seu prazo, pugnando pela expedição formal de ato de intimação para tão somente praticar o ato processual. Por fim, observa-se que a jurisprudência do STJ entende ser desnecessária intimação para apresentação de impugnação à fase de cumprimento de sentença quando a parte deposita espontaneamente, sendo a data do depósito o termo a quo para a impugnação. O mesmo raciocínio deve ser aplicado quando houver penhora "on-line" de ativos financeiros e existir nos autos prova cabal de ciência inequívoca da parte devedora quanto à penhora realizada, pois a parte expressamente manifestou-se nos autos impugnando liberação de valores.

PRIMEIRA TURMA
PROCESSO
AgRg no RMS 26.647-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por maioria, julgado em 2/2/2017, DJe 22/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Fornecimento de medicação gratuita. Dever do Estado. Direito fundamental à vida e à saúde. Ausência de perda do objeto.
DESTAQUE
Não há perda do objeto em mandado de segurança cuja pretensão é o fornecimento de leite especial necessário à sobrevivência de menor ao fundamento de que o produto serve para lactentes e o impetrante perdeu essa qualidade em razão do tempo decorrido para a solução da controvérsia.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a discussão a definir se há a perda do objeto em demanda cuja pretensão é o fornecimento de leite especial de uso contínuo a portador de alergia alimentar, considerando que o produto serve para lactentes e o impetrante já não detém essa qualidade. Inicialmente, vale destacar que a efetivação da tutela in casu está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, de modo que a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida. A propósito, em consonância com os arts. 6º e 196 da CF, a Lei n. 8.080/90 determina em seus arts. 2º e 4º que a saúde pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público. Ressalte-se, ainda, que o Sistema Único de Saúde possui, dentre as suas atribuições, a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; e a integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (art. 7º da Lei n. 8.080/90). Comprovado o acometimento do indivíduo, ou de um grupo, por determinada moléstia e necessitando de medicamento para a combater, este deve ser fornecido pelo Estado de modo a atender ao princípio maior da garantia à vida e à saúde. Especificamente sobre o tema controvertido, a Segunda Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 900.487-RJ, DJ 28/2/2007, já decidiu que “a negativa de fornecimento de um medicamento de uso imprescindível ou, no caso, de leite especial de que a criança necessita, cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é ato que, per si, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano.” Sendo assim, como é direito fundamental da pessoa e dever do Poder Público garantir a saúde e a vida, não há falar que o pleito se tornou infrutífero haja vista o decorrer do tempo até a solução da demanda. Ademais, cumpre destacar que a necessidade ou não do fornecimento de leite especial para a criança deverá ser apurada em fase de execução, quando será conferida oportunidade ao demandante para comprovar suas alegações. Nesta fase, também vale lembrar que, na impossibilidade do acolhimento do pedido principal formulado na exordial, em virtude da longa discussão judicial acerca do tema, nada impede que a parte requeira a conversão em perdas e danos. Desse modo, não é possível afastar a responsabilidade do Estado mediante a alegação de perda de objeto, cabendo ao Ente demandado judicialmente prover a prestação dos serviços necessários à saúde do requerente, sob pena de ofensa ao direito fundamental à saúde.

PROCESSO
REsp 1.163.020-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, por maioria, julgado em 21/3/2017, DJe 27/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO TRIBUTÁRIO
TEMA
ICMS. Fornecimento de energia elétrica. Base de cálculo. Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). Inclusão.
DESTAQUE
A Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) compõe o preço final da operação de fornecimento de energia elétrica e está incluída na base de cálculo do ICMS.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Discute-se se a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD – que é paga pelo consumidor que adquire energia elétrica diretamente dos agentes de comercialização ou de geração no mercado livre de energia elétrica – sofre a incidência do ICMS e/ou compõe a sua base de cálculo. De início, importa destacar que a atual legislação de regência do setor elétrico brasileiro permite que grandes consumidores de energia elétrica possam escolher livremente a empresa geradora e/ou comercializadora que lhes apresenta oferta mais vantajosa, não estando mais vinculados às condições de fornecimento de energia elétrica estabelecidas para o público em geral pela concessionária distribuidora local. Nesse ponto, registre-se que o Conselho Nacional de Política Fazendária, por meio do Convênio ICMS n. 117/2004, atribui "ao consumidor livre conectado à rede básica a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pela conexão e uso dos sistemas de transmissão de energia elétrica". A despeito do entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a inexigibilidade do tributo sobre a TUSD, faz-se necessário que a controvérsia seja examinada por outro enfoque. Nessa toada, tem-se que o fato gerador do ICMS em questão diz respeito à circulação jurídica da energia elétrica fornecida ao consumidor "livre". Em razão de sua peculiar realidade física, sabe-se que a circulação da energia elétrica se dá com a ocorrência simultânea de sua geração, transmissão, distribuição e consumo. Essa realidade física revela, então, que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser decotado da sua base de cálculo. Não trata a etapa de transmissão/distribuição de mera atividade meio – fundamento que até então embasava a jurisprudência desta Corte sobre o tema –, mas sim de atividade inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, sendo dele indissociável. Nessa esteira, cabe salientar que a CF/88, no art. 34, § 9º, do ADCT, ao tratar da responsabilidade tributária das concessionárias distribuidoras em relação aos consumidores que recebem a energia diretamente da distribuidora, sem margem de negociação ou escolha (consumidores “cativos”) deixou claro que todas as etapas do processo de fornecimento da energia elétrica devem ser consideradas na composição do preço final da mercadoria a ser suportada pelo usuário.  Por outro lado, a exclusão dessa tarifa da base de cálculo do tributo implica flagrante violação ao princípio da igualdade e prejudica a concorrência, o que é expressamente vedado pelo art. 173, § 4º, da Carta Política. Embora materialmente não exista diferença na operação de fornecimento de energia elétrica, enquanto o "consumidor cativo” permanecerá pagando o ICMS sobre o preço final da operação, o "consumidor livre", além de poder barganhar um melhor preço das empresas geradoras/comercializadoras, recolherá o tributo apenas sobre o preço dessa etapa da operação. Por fim, cumpre lembrar que o mercado livre de energia elétrica está disponibilizado apenas para os grandes consumidores, o que evidencia que a exclusão do custo referente à transmissão/distribuição da base de cálculo do ICMS representa uma vantagem econômica desarrazoada em relação às empresas menores que arcam com o tributo sobre o "preço cheio" constante de sua conta de energia, subvertendo-se, assim, os postulados da livre concorrência e da capacidade contributiva.

SEGUNDA TURMA
PROCESSO
REsp 1.535.222-MA, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 4/4/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO ADMINISTRATIVO
TEMA
Promotor de Justiça. Ação civil para a perda do cargo. Prática de crime. Prazo prescricional. Termo a quo. Trânsito em julgado para a acusação da decisão proferida no feito criminal. Extinção da punibilidade que não impede o ajuizamento de ação cível. Independência das instâncias cível e penal.
DESTAQUE
Na hipótese de membro de Ministério Público Estadual praticar falta administrativa também prevista na lei penal como crime, o prazo prescricional da ação civil para a aplicação da pena administrativa de perda do cargo somente tem início com o trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O regime jurídico dos membros do Ministério Público, no que concerne à previsão de perda do cargo, obedece ao disposto no art. 38, § 1º, da Lei Orgânica Nacional n. 8.625/93. Embora seja sabido que as instâncias cível, administrativa e penal são independentes e que a vinculação automática somente existe quando, na seara penal, se reconhece a negativa do fato ou da autoria, no caso específico do regime jurídico dos membros do Ministério Público existe uma particularidade: a ação cível para decretação da perda do cargo – hipótese analisada – somente pode ser proposta, depois de transitada em julgado a sentença proferida em ação penal, quando houver a prática de crime incompatível com o exercício do cargo. Ou seja, uma das condições de procedibilidade da ação civil para perda do cargo depende da existência de decreto condenatório proferido no juízo criminal. Diante dessas premissas é que exsurge a principal controvérsia dos autos, a respeito do termo inicial do prazo prescricional para tais hipóteses. Quando a lei determina que a ação civil para perda do cargo somente deve ser ajuizada após o trânsito em julgado da sentença penal, nos casos em que a falta funcional corresponde a uma conduta criminosa; por decorrência lógica, o prazo de prescrição somente pode iniciar-se, no bojo da ação civil de perda do cargo, contado do trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal. É de se notar a diferença quanto aos casos de processos criminais contra servidores públicos (não no caso dos membros do Ministério Público), quando a prescrição corre no processo administrativo disciplinar. É que, nesses casos, inexiste necessidade de aguardar o deslinde na esfera criminal. A diferença dessas premissas para a hipótese em exame é total. No presente debate, a garantia dada aos membros do Ministério Público de não poderem perder o cargo, senão por meio de ação civil própria e depois da sentença criminal transitada em julgado (prerrogativa que os demais servidores não possuem), não pode se transmudar em óbice para a punição justa e adequada. Pensar o contrário seria admitir a possibilidade de que a ação civil pública para perda do cargo sempre ficaria no aguardo de que a ação criminal fosse rápida e atingisse o trânsito em julgado, antes que o lapso prescricional (seja pela pena em abstrato, seja pena em concreto) incidisse no caso. Uma interpretação nesse patamar, além de contraditória, porquanto levaria à conclusão de que, mesmo impedindo de ingressar com uma demanda, ainda assim haveria um prazo prescricional correndo contra si, desborda de qualquer lógica jurídica. É dizer: prescrição somente ocorre quando alguém, podendo agir, deixa de fazê-lo, no tempo oportuno; não quando deixou de agir ex lege.

TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.642.323-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 30/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA
Exoneração de alimentos. Maioridade civil. Doença mental. Recebimento de Benefício Assistencial.
DESTAQUE
É presumida a necessidade de percepção de alimentos do portador de doença mental incapacitante, devendo ser suprida nos mesmos moldes dos alimentos prestados em razão do Poder Familiar, independentemente da maioridade civil do alimentado.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Trata-se de ação de exoneração de alimentos lastreada, tão só, no advento da maioridade civil do alimentado portador de doença mental crônica incapacitante que o impede de cuidar de si próprio ou de seus pertences, devendo estar continuamente sob amparo de familiares e em tratamento psiquiátrico. Na origem, o argumento determinante para exonerar o alimentante foi o fato de o alimentado passar a receber Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei n. 8.742/1993) à pessoa com deficiência de qualquer idade e com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo. Fixadas essas premissas, convém destacar que a obrigação alimentar relativa a filho maior, porém incapaz, embora migre, tecnicamente, dos alimentos devidos em face do Poder Familiar para alimentos devidos por vínculo de parentesco, não importa em significativa alteração quanto à abrangência desses alimentos. Essa assertiva decorre, entre outras regulações, do quanto preconizado no art. 8º da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que fixa a obrigação da família de assegurar à pessoa com deficiência que não possa prover o próprio sustento, a efetivação de toda a gama de direitos relativos a seu bem-estar pessoal, social e econômico. Sob esse foco é de se ver que o julgador, diante do pedido formulado por um possível alimentado, não se volta inicialmente para a capacidade do alimentante, mas procura encontrar, diante da análise dos elementos que dispõe e do que vislumbra ser as necessidades do alimentado, o ideal dos alimentos ad necessitatem. Exsurge, da visão conceitual do processo de fixação dos alimentos, que possível aumento na renda do alimentado somente importará em redução, ou exoneração dos alimentos, se ela suprir o ideal de necessidade daquele alimentado. Cotejando essa teórica fórmula de fixação de alimentos com as bases fáticas construídas na origem, nos diz as máximas da experiência, que os gastos teóricos necessários para a manutenção do bem-estar de filho que tenha grave comprometimento mental, usualmente ultrapassam, em muito, a capacidade financeira dos seus genitores, razão pela qual, nessas circunstâncias, fixa-se o valor dos alimentos, não pela necessidade do alimentado, mas pela possibilidade do alimentante. Nesse contexto, o Benefício de Prestação Continuada recebido pelo alimentado, que equivale a um salário mínimo, por óbvio lhe agregou significativa qualidade de vida, mormente por se considerar a situação de penúria absoluta que deveria existir antes da sua percepção. Mas como se observa do cotidiano de famílias nas quais um dos membros é acometido de doença mental incapacitante, esse valor é ínfimo se comparado às efetivas necessidades dessa pessoa. E essa verdade se perpetua, mesmo que a esse benefício sejam acrescidos alimentos correspondentes a 30% do salário mínimo. É dizer: mesmo com a soma do benefício assistencial e a pensão alimentícia, os valores carreados para a manutenção do alimentado, ficarão bem aquém de suas reais necessidades.

PROCESSO
REsp 1.629.000-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 4/4/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA
Contrato de venda a crédito de bem móvel. Cláusula de reserva de domínio. Mora do comprador. Comprovação. Notificação extrajudicial. Possibilidade.
DESTAQUE
A mora do comprador, na ação ajuizada pelo vendedor com o intuito de recuperação da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio, pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia trazida a debate consiste em definir se, na ação de apreensão e depósito de bem objeto de contrato de venda com reserva de domínio, a comprovação da mora do comprador somente pode ocorrer mediante protesto. Nos termos do art. 526 do CC/02, na hipótese de mora do comprador no adimplemento das prestações, abrem-se ao vendedor duas alternativas: a) o ajuizamento de ação para a cobrança das prestações vencidas e vincendas, com os acréscimos legais; ou, b) a recuperação da posse da coisa vendida. Como se extrai da literalidade do mencionado dispositivo legal, essas alternativas são excludentes entre si: cabe ao vendedor optar pela cobrança das prestações em atraso e do saldo devedor em aberto – o inadimplemento resulta no vencimento antecipado da dívida – ou pelo exercício de seu direito potestativo de desconstituição do negócio jurídico, por meio da recuperação da coisa vendida (o que não prejudica seu direito à compensação pela depreciação do bem e outras despesas decorrentes do inadimplemento, conforme o disposto no art. 527 do CC/02). Independentemente da opção exercida pelo vendedor, é imprescindível “a constituição do comprador em mora”, que, nos termos do art. 525 do CC/02, ocorre mediante protesto do título ou interpelação judicial. A redação desse dispositivo legal pode levar à equivocada compreensão de que a mora do comprador apenas se caracteriza a partir do ato do protesto ou da interpelação judicial. Contudo, não é esse o verdadeiro alcance da norma. Com efeito, deve ser observado que a mora do comprador se configura com sua simples omissão em efetuar o pagamento das prestações ajustadas, haja vista que essas têm data certa de vencimento.  É, portanto, mora ex re, cujos efeitos – a exemplo da incidência de juros – se operam a partir do inadimplemento. Nesse contexto, a determinação contida no art. 525 do CC/02 para o protesto do título ou a interpelação judicial não tem a finalidade de transformar a mora ex re em ex persona. A regra estabelece, apenas, a necessidade de comprovação da mora do comprador como pressuposto para a execução da cláusula de reserva de domínio, tanto na ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas, como na ação de recuperação da coisa. Visa o ato, desse modo, conferir segurança jurídica às partes, funcionando, também, como oportunidade para que o comprador, adimplindo as prestações, evite a retomada do bem pelo vendedor. O advento da nova codificação civil impõe uma exegese sistêmica da questão, de modo a admitir a documentação da mora do comprador por meio de quaisquer dos instrumentos previstos no parágrafo único do art. 397, quais sejam: a) o protesto; b) a interpelação judicial; e, c) a notificação extrajudicial. Por fim, convém salientar que, com a vigência do CPC/2015, essa aparente antinomia entre as regras processuais e o CC/02 restou superada, pois o novo CPC deixou de regulamentar o procedimento especial da ação de apreensão e depósito. Desse modo, a partir da vigência do CPC/2015, a venda com reserva de domínio encontra disciplina exclusiva no CC/02, aplicando-se, quando as partes estiverem em Juízo, as regras relativas ao procedimento comum ordinário ou, se for o caso, das normas afetas ao processo de execução.

PROCESSO
REsp 1.634.077-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 9/3/2017, DJe 21/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Contrato de representação comercial.  Zona de Atuação. Exclusividade. Omissão contratual. Possibilidade de comprovação.
DESTAQUE
É possível presumir a existência de exclusividade em zona de atuação de representante comercial quando: (i) não houver previsão expressa em sentido contrário; e (ii) houver demonstração por outros meios da existência da exclusividade.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia em definir acerca da existência de zona exclusiva em contrato de representação comercial quando não há cláusula expressa no instrumento firmado entre as partes. Inicialmente, destaque-se que a representação comercial constitui um negócio jurídico com natureza de colaboração empresarial por aproximação, destinada a auxiliar a circulação e distribuição de produtos e serviços nos mercados consumidores. Está disciplinada por meio da Lei n. 4.886/65 que, em seu art. 27, aponta quais são os elementos obrigatórios de um contrato de representação comercial autônoma. Para a resolução desta controvérsia, importa mencionar apenas que, entre as cláusulas obrigatórias, estão a indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação (alínea “d”) e o exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado (alínea “i”). Sobre esse ponto, apesar de tais cláusulas serem obrigatórias, não há a necessidade de utilização de forma específica para sua celebração (como a escrita), tampouco há qualquer consequência jurídica para a omissão dessas cláusulas. Nesse caminho, percebe-se que a doutrina se manifesta a favor da presunção de exclusividade quando houver omissão no instrumento firmado entre representante e representado. As dificuldades de interpretação quanto à presunção de exclusividade do representante exsurgem da aparente antinomia existente entre o caput e o parágrafo único do art. 31 da Lei n. 4.886/65, após alteração legislativa ocorrida em 1992. Segundo doutrina, “na reforma da Lei n. 4.866, de dezembro de 1965, conduzida afinal pela Lei n. 8.420, de maio de 1992, se tentou inverter a equação, com a presunção de exclusividade em favor do representante comercial. A redação final do projeto de lei, entretanto, truncou a proposta contida no anteprojeto, que tinha aquele sentido. O resultado foi precário, como se vê da atual redação do art. 31 e seu parágrafo único”.  Dessa forma, haverá exclusividade quando houver expressa previsão em contrato escrito ou nas hipóteses em que, mesmo havendo instrumento escrito, o contrato for omisso quanto à atribuição de zona de atuação exclusiva. Com isso, a presunção de exclusividade deve ocorrer em razão do conteúdo do caput do art. 31 da Lei n. 4.886/65, o qual garante ao representante as comissões de vendas realizadas em sua zona de atuação quando o contrato for omisso quanto à exclusividade territorial. Assim, mesmo com a omissão de dispositivo acerca da exclusividade em zona de atuação, o representante é protegido pela legislação de regência do contrato em comento, o que está em consonância com o propósito da lei em estabelecer mecanismos de proteção ao representante frente ao representado.

PROCESSO
REsp 1.426.422-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 30/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO FALIMENTAR
TEMA
Falência. DL 7.661/1945. Extinção das obrigações do falido. Decurso do prazo de cinco anos. Prova da quitação de tributos. Desnecessidade.
DESTAQUE
Nos processos de falência ajuizados anteriormente à vigência da Lei n. 11.101/2005, a decretação da extinção das obrigações do falido prescinde da apresentação de prova da quitação de tributos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Inicialmente, cabe ressaltar ser cediço que as obrigações da sociedade empresária não são extintas pelo simples encerramento da falência, permanecendo exigíveis até seu adimplemento ou decretação de prescrição ou decadência – inclusive em relação à pessoa física dos sócios, na hipótese de sua responsabilização pessoal. Nesse sentido, confira-se o REsp 883.802-DF, 3ª Turma, DJe 12/5/2010. Uma vez encerrada a falência, cumpre ao falido requerer, na forma preconizada pelos arts. 134 e seguintes do DL 7.661/1945 (diploma legal incidente na espécie, por força do disposto no art. 192 da Lei n. 11.101/2005), a extinção de suas obrigações. De acordo com o previsto no art. 135, III, da antiga Lei de Quebras, o decurso do prazo de cinco anos, contados a partir do encerramento da falência, extingue as obrigações, exceto se o falido ou o sócio gerente da sociedade empresária tiver sido condenado por crime falimentar. Conquanto não haja menção a respeito da necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos fiscais nos artigos da antiga Lei de Falências que tratam do tema controvertido, o art. 191 do Código Tributário Nacional é taxativo: “a extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos os tributos”. Ocorre, todavia, que essa exigência foi inserida no CTN pela Lei Complementar 118/2005, que foi sancionada concomitantemente com a nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101), em 9 de fevereiro de 2005. Antes da inserção desse requisito, vale dizer, na vigência da antiga Lei de Falências e Concordatas (hipótese dos autos), os créditos tributários não se sujeitavam à habilitação no processo falimentar, consoante se depreende do comando normativo inserto no art. 187 do CTN. Disso resulta que o Fisco, independentemente da formação do juízo universal, continua com a possibilidade de exercício de seu direito de cobrança judicial. A fixação dessa premissa – de que os créditos tributários não se sujeitam aos processos regidos pelo DL 7.661/1945 – autoriza a conclusão de que eles, por decorrência lógica, não apresentam relevância na fase final de encerramento da falência, na medida em que as obrigações do falido que serão extintas se cingem àquelas submetidas ao juízo falimentar, dentre as quais não se inserem as obrigações tributárias. Importa registrar, por fim, que a interpretação aqui assentada ressente-se de sustentação perante o regime instituído pela Lei n. 11.101/2005, haja vista que este prevê a participação do crédito tributário no concurso de credores (art. 83, III).

PROCESSO
AgInt no AREsp 903.091-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 16/3/2017, DJe 27/3/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Intimação eletrônica precedida de intimação no DJe. Contagem de prazo. Prevalência da intimação eletrônica. Exegese do art. 5º da Lei n. 11.419/2006.
DESTAQUE
Na hipótese de duplicidade de intimações, prevalece a intimação eletrônica sobre aquela realizada por meio do DJe.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O agravo interno versa sobre o conflito acerca dos efeitos da intimação efetivada via Diário da Justiça Eletrônico e aquela realizada por meio de portal de intimações. Inicialmente, verifica-se que a jurisprudência do STJ conta com alguns julgados no sentido de se resolver esse conflito dando prevalência à intimação via Diário da Justiça Eletrônico, uma vez que essa forma de intimação "substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais", conforme previsto no art. 4º, § 2º, da Lei n. 11.419/2006. Porém, revendo esse posicionamento, deve prevalecer a intimação via portal eletrônico, pois essa modalidade de intimação dispensa a publicação via DJe, conforme expressamente previsto no art. 5º do mesmo diploma legal. Essa previsão expressa de dispensa de publicação no DJe evidencia que a intimação eletrônica é a que deve ter prevalência. Aliás, essa também foi a opção normativa esposada pelo novo CPC/2015, conforme se verifica nos seguintes dispositivo legais: “Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.” e “Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.”

PROCESSO
REsp 1.628.065-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por maioria, julgado em 21/2/2017, DJe 4/4/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Litigância de má-fé. Dano processual. Desnecessidade de demonstração para aplicação da multa a que alude o art. 18 do CPC/1973.
DESTAQUE
O dano processual não é pressuposto para a aplicação da multa por litigância de má-fé a que alude o art. 18 do CPC/1973.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A discussão posta resume-se a verificar se, para a configuração de litigância de má-fé, nos termos do art. 18 do CPC/73, com a consequente aplicação de penalidade, o dano processual é pressuposto. A multa aplicada reflete mera sanção processual, que não tem o objetivo de indenizar a parte adversa e, por esse motivo, não exige, para sua aplicação, a comprovação inequívoca da ocorrência de dano processual. Justamente por não exigir tal comprovação é que se mostra possível o reconhecimento de ofício da litigância de má-fé, com a aplicação da multa correspondente. Vale ressaltar que, para fins de responsabilidade processual, diversamente, é que se mostra imprescindível a prova do efetivo prejuízo sofrido pela parte adversa, do que não se trata a hipótese analisada.

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.337.749-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 6/4/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL CIVIL
TEMA
Ação de arbitramento de honorários advocatícios. Existência e previsão expressa de remuneração ad exitum.  Causídico que renunciou aos poderes antes do encerramento das demandas relacionadas aos serviços contratados
DESTAQUE
Nos contratos em que estipulado o êxito como condição remuneratória dos serviços advocatícios prestados, a renúncia do patrono originário, antes do julgamento definitivo da causa, não lhe confere o direito imediato ao arbitramento de verba honorária proporcional ao trabalho realizado, revelando-se necessário aguardar o desfecho processual positivo para a apuração da quantia devida.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia é quanto ao cabimento ou não de arbitramento judicial de honorários advocatícios por serviços prestados pelo causídico antes de sua renúncia, quando existente previsão contratual expressa condicionando tal remuneração ao êxito nas demandas patrocinadas. Nos contratos de prestação de serviços advocatícios ad exitum, a vitória processual constitui condição suspensiva, cujo implemento é obrigatório para que o advogado faça jus à devida remuneração. Ou seja, o direito aos honorários somente é adquirido com a ocorrência do sucesso na demanda. O fato jurídico delineado não se amolda sequer à norma disposta na primeira parte do artigo 129 do Código Civil, que condena o dolo daquele que impede ou força o implemento da condição em proveito próprio. Nessa esteira, encontra-se compreendida a rescisão unilateral imotivada perpetrada pelo cliente, que configura, por óbvio, obstáculo ao implemento da condição estipulada no contrato de prestação de serviços advocatícios - vitória na causa -, autorizando o arbitramento judicial da verba honorária devida ao causídico, cuja plena atuação quedara frustrada por culpa do mandante. Por outro turno, em se tratando de renúncia do advogado, é certo que a não ocorrência da condição prevista no contrato ad exitum impede a aquisição do direito remuneratório pretendido, não se podendo cogitar da incidência de qualquer presunção legal na hipótese de rescisão antecipada.  Nessa perspectiva, nos casos em que estipulado o êxito como condição remuneratória dos serviços advocatícios prestados, a renúncia do patrono originário, antes do julgamento definitivo da causa, não lhe confere o direito imediato ao arbitramento de verba honorária proporcional ao trabalho realizado, revelando-se necessário aguardar o desfecho processual positivo para a apuração do quantum devido, observado o necessário rateio dos valores com o advogado substituto (aquele que veio a assumir a condução da demanda). Desse modo, nos contratos ad exitum, ainda quando ocorrida a revogação do mandato, o implemento da condição contratada constitui elemento essencial para a produção dos seus efeitos remuneratórios e, consequentemente, da deflagração do fato gerador da pretensão condenatória a ser, eventualmente, exercida em juízo.

SEXTA TURMA
PROCESSO
RHC 80.142-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 4/4/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PENAL
TEMA
Ação penal. Trancamento. Crime de desabamento ou desmoronamento (art. 256 do Código Penal). Atipicidade. Ausência de nexo causal e de elemento subjetivo. Nexo material ou jurídico não evidenciado. Omissão imprópria descaracterizada.
DESTAQUE
O representante legal de sociedade empresária contratante de empreitada não responde pelo delito de desabamento culposo ocorrido na obra contratada, quando não demonstrado o nexo causal, tampouco pode ser responsabilizado, na qualidade de garante, se não havia o dever legal de agir, a assunção voluntária de custódia ou mesmo a ingerência indevida sobre a consecução da obra.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O debate jurídico se limita a saber se o representante legal da empresa contratante de empreitada, pode ser responsabilizado pelo desabamento culposo ocorrido na obra tocada pela construtora contratada, que deu azo à morte de um de seus funcionários. Cabe ressaltar, de início, que se trata de delito que tem por bem jurídico tutelado a incolumidade pública, particularmente o perigo comum que pode decorrer da conduta proibida. O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, mesmo o dono do imóvel que sofre o desabamento. Imputa-se ao representante, no caso, a prática do delito na modalidade culposa, quando o desabamento ou desmoronamento resulta da não observância, pelo sujeito ativo, do dever de cuidado necessário. Ressalte-se que a solução da controvérsia está voltada à caracterização do nexo de causalidade – elementar do tipo culposo estabelecida no art. 13, caput, do Código Penal. Segundo concepção doutrinária e jurisprudencial dominante, a teoria eleita pelo Estatuto Repressor para explicar a constatação do fenômeno causal é a Teoria da Equivalência das Condições, também conhecida como Teoria da Causalidade Simples ou Teoria da conditio sine qua non, ressalvada a limitação estampada no § 1º do mesmo dispositivo, que teria excepcionalmente previsto a teoria da causalidade adequada para hipótese restrita da superveniência de causa independente. Trata-se de teoria de cunho empírico naturalista, que pode ser classificada como generalizadora, é dizer, não promove hierarquia entre as condições que antecedem um resultado, tratando todas as causas como de igual valor. Assim, segundo essa linha de pensamento, causa nada mais é do que a condição (ação/omissão) sem a qual o resultado não teria ocorrido tal como ocorreu. Tudo aquilo que efetivamente contribuiu, in concreto, para o resultado, é tido por causa. A maior crítica enfrentada por esta teoria sempre foi a necessidade de estabelecer um limitador, de maneira a se identificar com segurança se certa conduta foi realmente determinante para ocorrência do resultado. Nessa perspectiva, o aperfeiçoamento da relação causal é ditado pelo método da eliminação hipotética dos antecedentes causais, desenvolvido por Thyrén. Em breves linhas, no campo mental da suposição ou da cogitação, o aplicador deve proceder à eliminação da conduta para concluir pela persistência ou desaparecimento do resultado. Em outras palavras, uma ação ou omissão será considerada como causa do evento sempre que, suprimida mentalmente do contexto fático, o resultado tenha deixado de ocorrer tal como ocorreu. Por óbvio, a concepção pura da teoria não é ratio a ser empregada no sistema penal vigente. Absorvendo as críticas sofridas pela doutrina especializada, fez-se imperioso, em mais uma oportunidade, o aperfeiçoamento do fenômeno causal, de maneira a se evitar o regresso da causalidade a condutas que, por certo, não estariam incluídas entre aquelas que efetivamente concorreram para o dano ao bem jurídico tutelado. Nesse compasso, buscando uma restrição ainda maior da causalidade, ganhou força a ideia de limitar o liame entre conduta e resultado por intermédio do elemento anímico ou subjetivo de que imbuído o agente, o que se convencionou chamar de causalidade psíquica (imputatio delicti). Palmilhando por essa linha de intelecção, o juízo de verificação da causalidade não pode retroceder ou retornar às condições que temporalmente precederam à posterior atuação típica culposa ou dolosa de outrem, a qual teria o condão de interromper o nexo causal iniciado pelo primeiro interveniente. Em outros termos, para evitar a responsabilidade de certas condutas antecedentes que contribuíram para o resultado, a doutrina clássica analisa o dolo e a culpa como limites da responsabilidade. As questões são resolvidas com o tipo subjetivo e não com o objetivo. Assim sendo, duas operações devem ser realizadas para explicitar o modelo causal: em primeiro lugar, identifica-se a imputação objetiva do evento (causa); num segundo plano, testa-se a imputação subjetiva (dolo/culpa). A responsabilização penal do agente dependerá de sua voluntariedade (dolo ou culpa) em relação à provocação do resultado. Nesse viés, inviável a atribuição de responsabilidade ao representante legal da sociedade empresária contratante de empreitada. Se é certo que existe o dever objetivo de cuidado de prover para que a obra seja realizada sem a intercorrência de infortúnios, este deve ser endereçado aos agentes da empresa responsável pela construção, ou a outros terceiros que tenham efetivamente interferido no curso causal (sempre lembrando que em nosso sistema não se atribuiu a prática de ilícitos penais a pessoas jurídicas, ressalvados os casos de crimes ambientais). De outra banda, também não se mostra factível a identificação de nexo jurídico ou de evitação, de forma a se adjetivar a posição do acusado como garante, imputando-lhe omissão penalmente relevante (art. 13, § 2º, do CP). Não havia no caso analisado, ou ao menos não foi narrado pela exordial, o dever legal de agir, a assunção voluntária de custódia ou mesmo a ingerência indevida do acusado sobre a consecução da obra em epígrafe. Em conclusão, se de um lado não se pode imputar de forma direta qualquer resultado penalmente relevante ao representante legal da sociedade contratante, dada a ausência de causalidade psíquica, de outro não cabe falar em omissão imprópria, considerando a não qualificação do agente como garantidor. Por conseguinte, a ação penal intentada deve ter seu prosseguimento obstado em face da atipicidade da conduta.

PROCESSO
HC 380.734-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 4/4/2017.
RAMO DO DIREITODIREITO PROCESSUAL PENAL
TEMA
Prisão preventiva decretada. Substituição por prisão domiciliar. Medida cautelar imposta. Proibição de contato com os demais réus. Facultada comunicação com as irmãs/corrés. Incomunicabilidade com o seu genitor/corréu. Motivação inidônea. Flagrante ilegalidade.
DESTAQUE
É inidônea a decretação de incomunicabilidade de acusado com o genitor/corréu como medida cautelar substitutiva da prisão.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão trazida a deslinde cinge-se à ausência de fundamentação idônea, por ocasião da prisão domiciliar, para a imposição da medida cautelar de proibição da paciente ter contato com o seu pai, que também é réu na ação em que esta foi denunciada. Na origem, houve a decretação de prisão preventiva posteriormente substituída por prisão domiciliar (art. 318, V do CPP) cumulada com medida cautelar de incomunicabilidade com os demais acusados (art. 319, III do CPP), à exceção de suas irmãs. Ao que se afigura, a paciente/filha restou afastada de seu pai/corréu, pois pretensamente o genitor seria líder da organização criminosa. Contudo, não se mostra viável possibilitar o contato da paciente com suas irmãs, que são corrés na mesma ação penal, e obstar a comunicação com o pai. De fato, a fixação da medida restritiva substitutiva não deve se sobrepor a um bem tão caro, protegido pela Carta Magna, como a família - artigo 226 da Constituição Federal. Afinal, a incomunicabilidade com o seu genitor também atinge, de modo fulminante, a esfera privada e familiar da paciente, sem se descurar que mesmo aos segregados lhes é facultada a visita de familiares. Portanto, inviável levar em conta os parâmetros constitucionais para as irmãs da increpada e restringir o seu alcance, de forma a não abranger o pai.