Brasília,
8 a 12 de dezembro de 2014 Nº 771
Data
de divulgação: 18 de dezembro de 2014
Este
Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de
julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais
de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos
ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas
perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a
publicação do acórdão no Diário da Justiça.
Sumário
Plenário
Prescrição
penal retroativa e constitucionalidade - 1
Prescrição
penal retroativa e constitucionalidade - 2
Prescrição
penal retroativa e constitucionalidade - 3
Princípio
da insignificância: reincidência e crime qualificado - 1
Princípio
da insignificância: reincidência e crime qualificado - 2
Princípio
da insignificância: reincidência e crime qualificado - 3
ADI: vício
de iniciativa e forma de provimento de cargo público
ADI:
chefia da polícia civil e iniciativa legislativa
ADI: norma
administrativa e vício de iniciativa
ADPF:
fungibilidade e erro grosseiro
Liminar em
ação cautelar: recurso extraordinário não admitido e
desapropriação - 4
Conflito
federativo e imóvel afetado ao MPDFT - 3
Lei
municipal e vício de iniciativa
Art. 132
da CF e criação de cargos comissionados
Repercussão Geral
Vedação
ao nepotismo e iniciativa legislativa - 1
Vedação
ao nepotismo e iniciativa legislativa - 2
GDATFA:
gratificações de desempenho e retroação de efeitos financeiros -
1
GDATFA:
gratificações de desempenho e retroação de efeitos financeiros -
2
1ª Turma
AP: licitação e concessão de
uso de bem público
2ª Turma
Busca e apreensão e autorização
judicial - 1
Busca e apreensão e autorização
judicial - 2
Renitente esbulho e terra
tradicionalmente ocupada por índios
Clipping do DJe
Transcrições
Art. 383 do CP: “emendatio
libelli” e “reformatio in pejus” (HC 123.251/PR)
Inovações Legislativas
Outras Informações
Plenário
Prescrição penal
retroativa e constitucionalidade - 1
É constitucional o art. 110, § 1º, do CP (“§ 1º A
prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em
julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso,
regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter
por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”), na
redação dada pela Lei 12.234/2010. Essa a conclusão do Plenário
que, por maioria, denegou “habeas corpus” em que se pleiteava o
reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em favor do
paciente, na modalidade retroativa, entre a data do fato e o
recebimento da denúncia, diante da pena em concreto aplicada, por
decisão transitada em julgado para a acusação. No caso, ele fora
condenado à pena de um ano de reclusão, como incurso nas sanções
do art. 240 do CPM (furto). Alegava-se que a citada inovação
legislativa teria praticamente eliminado as possibilidades de se
reconhecer a prescrição retroativa, e que o direito à prescrição
seria qualificado, implicitamente, como um dos direitos fundamentais
dos cidadãos pela Constituição. O Colegiado realizou retrospectiva
histórica a respeito da prescrição retroativa na legislação
pátria, a culminar na alteração promovida pela Lei 12.234/2010. O
dispositivo do art. 110 do CP, antes do advento da mencionada lei,
tratava da prescrição calculada pela pena concretamente fixada na
sentença condenatória, desde que houvesse trânsito em julgado para
a acusação ou desde que improvido seu recurso.
HC 122694/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 10.12.2014.
(HC-122694)
Prescrição penal
retroativa e constitucionalidade - 2
A Corte consignou que a diferença entre a prescrição
retroativa e a intercorrente residiria no fato de esta ocorrer entre
a publicação da sentença condenatória e o trânsito em julgado
para a defesa; e aquela seria contada da publicação da decisão
condenatória para trás. A prescrição seria novamente computada,
pois, antes, tivera seu prazo calculado em função da maior pena
possível e, depois, seria verificada de acordo com a pena aplicada
na sentença. Por essa razão, se o julgador constatasse não
ocorrida a prescrição com base na pena concreta entre a publicação
da sentença condenatória e o acórdão, passaria imediatamente a
conferir se o novo prazo prescricional, calculado de acordo com a
pena concreta, teria ocorrido entre: a) a data do fato e o
recebimento da denúncia ou queixa; b) o recebimento da denúncia ou
queixa e a pronúncia; c) a pronúncia e sua confirmação por
acórdão; d) a pronúncia ou o seu acórdão confirmatório e a
sentença condenatória; e e) o recebimento da denúncia ou queixa e
a publicação da sentença condenatória, no caso de crimes não
dolosos contra a vida. Essa modalidade de prescrição seria
denominada “retroativa” porque contada para trás, da condenação
até a pronúncia ou recebimento da denúncia ou queixa, conforme a
espécie de crime. Com a promulgação da nova lei, a prescrição,
depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a
acusação ou depois de improvido seu recurso, seria regulada pela
pena aplicada, e não poderia ter por termo inicial data anterior à
da denúncia ou queixa. Desse modo, fora vedada a prescrição
retroativa incidente entre a data do fato e o recebimento da denúncia
ou queixa. Nesse contexto, não se operaria a prescrição retroativa
durante a fase do inquérito policial ou da investigação criminal,
período em que ocorrida a apuração do fato, mas poderia incidir a
prescrição da pretensão punitiva pela pena máxima em abstrato.
Ademais, a norma não retroagiria, para não prejudicar autores de
crimes cometidos antes de sua entrada em vigor.
HC 122694/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 10.12.2014.
(HC-122694)
Prescrição penal
retroativa e constitucionalidade - 3
O Tribunal mencionou a existência de corrente
doutrinária defensora da inconstitucionalidade dessa alteração
legislativa, por supostamente violar a proporcionalidade e os
princípios da dignidade humana, da humanidade da pena, da
culpabilidade, da individualização da pena, da isonomia e da
razoável duração do processo. Outra corrente afirmaria a extinção
da prescrição na modalidade retroativa pela Lei 12.234/2010. A
Corte aduziu, entretanto, que essa inovação estaria inserta na
liberdade de conformação do legislador, que teria legitimidade
democrática para, ao restringir direitos, escolher os meios que
reputasse adequados para a consecução de determinados objetivos,
desde que não lhe fosse vedado pela Constituição e nem violasse a
proporcionalidade, a fim de realizar uma tarefa de concordância
prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos
constitucionalmente protegidos. O Plenário ponderou, ainda, que os
fluxos do sistema de justiça criminal no Brasil seriam pouco
eficientes, e que a taxa de esclarecimento de crimes seria demasiado
baixa, a indicar a impossibilidade de se investigar, com eficiência,
todos os crimes praticados. Isso demonstraria a vinculação da nova
lei com a realidade. Nesse sentido, dada a impossibilidade financeira
de o Estado atender, em sua plenitude, a todas as outras demandas
sociais, seria irreal pretender que os órgãos da persecução
devessem ser providos de toda a estrutura material e humana para
investigar, com eficiência e celeridade, todo e qualquer crime
praticado. A avassaladora massa de delitos a apurar seria uma das
causas da impunidade, dada a demora ou impossibilidade no seu
esclarecimento, na verificação da responsabilidade penal e na
punição do culpado, assim reconhecido definitivamente. Dessa
maneira, o legislador optara por não mais prestigiar um sistema de
prescrição da pretensão punitiva retroativa que culminava por
esvaziar a efetividade da tutela jurisdicional penal. Demais disso,
essa modalidade de prescrição, calculada a partir da pena aplicada
na sentença, constituiria peculiaridade da lei brasileira, que não
encontraria similar no direito comparado. Nas legislações
alienígenas, a prescrição da pretensão punitiva seria regulada
pela pena máxima em abstrato, e nunca pela pena aplicada, a qual
regularia apenas a prescrição da pretensão executória. Isso
demonstraria que, embora a pena justa para o crime fosse a imposta na
sentença, seria questão de política criminal, a cargo do
legislador, estabelecer se a prescrição, enquanto não ocorrido o
trânsito em julgado, deveria ser regulada pela pena abstrata ou
concreta, bem como, nesta hipótese, definir a expansão dos efeitos
“ex tunc”. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a
ordem e assentava a inconstitucionalidade do art. 110, § 1º, do CP.
Assinalava que não se poderia chancelar a possibilidade de o
Ministério Público ou o titular de ação penal privada não ter
prazo para atuar, ainda que houvesse dados suficientes para a
propositura de ação penal, independentemente de investigação.
HC 122694/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 10.12.2014.
(HC-122694)
Princípio da
insignificância: reincidência e crime qualificado - 1
O Plenário iniciou julgamento conjunto de três “habeas
corpus” impetrados contra julgados que mantiveram condenação dos
pacientes por crime de furto e afastaram a aplicação do princípio
da insignificância. No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à
pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto
simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido
restituído à vítima, o tribunal local não substituíra a pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da
reincidência. No HC 123.533/SP, a paciente fora condenada pela
prática de furto qualificado de dois sabonetes líquidos íntimos
avaliados em R$ 40,00. O tribunal de origem não aplicara o princípio
da insignificância em razão do concurso de agentes e a condenara a
um ano e dois meses de reclusão, em regime semiaberto e cinco
dias-multa. Por fim, no HC 123.734/MG, o paciente fora sentenciado
pelo furto de 15 bombons caseiros, avaliados em R$ 30,00. Condenado à
pena de detenção em regime inicial aberto, a pena fora substituída
por prestação de serviços à comunidade e, embora reconhecida a
primariedade do réu e a ausência de prejuízo à vítima, o
princípio da insignificância não fora aplicado porque o furto fora
qualificado pela escalada e pelo rompimento de obstáculo. O Ministro
Roberto Barroso (relator) concedeu a ordem em todos os “habeas
corpus”, por entender cabível o princípio da insignificância e,
por conseguinte, reconheceu a atipicidade material das condutas dos
pacientes e anulou os efeitos penais dos processos em exame. Pontuou
que, segundo estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional,
49% das pessoas estariam presas por crimes contra o patrimônio e,
dentre esse número, 14% da população carcerária brasileira
estaria presa por furto simples ou qualificado. Lembrou que a
comissão que elaborara o anteprojeto do Código Penal — ainda em
deliberação no Congresso Nacional — teria proposto significativa
descarcerização do furto em geral, com previsão expressa do
princípio da insignificância. Nos termos desse anteprojeto, também
não haveria fato criminoso quando, cumulativamente, se verificassem
as seguintes condições: “a) mínima ofensividade da conduta do
agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e
c) inexpressividade da lesão jurídica provocada”.
HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123108)
HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123533)
HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123734)
Princípio da
insignificância: reincidência e crime qualificado - 2
O relator frisou que os “habeas corpus” ora sob
julgamento seriam emblemáticos: envolveriam furto de bens de valor
inferior a R$ 50,00. Em dois deles, os pacientes teriam sido
condenados à pena de prisão em regime semiaberto e estariam presos
se a liminar não tivesse sido deferida. Não obstante, em matéria
de descaminho, se a sonegação de impostos somasse R$ 20.000,00, não
haveria incriminação porque a fazenda pública não executaria
dívidas de valor inferior ao mencionado. Ademais, o entendimento do
STF seria no sentido de não haver crime, em face do princípio da
insignificância. O desconforto que a existência dessa dualidade
causaria aos cidadãos, acrescido à realidade carcerária, não
poderia passar despercebido à Corte. Asseverou que a ausência de
critérios claros quanto ao princípio da insignificância geraria o
risco de casuísmos, além de prejudicar a uniformização da
jurisprudência e agravar a precária situação do sistema
carcerário. Observou que precedentes do STF admitiriam o princípio
da insignificância em caso de furto desde que o agente não fosse
reincidente e que não tivesse sido hipótese de furto qualificado.
Apontou que toda a teoria do princípio da insignificância deveria
ser reconduzida aos princípios da razoabilidade ou da
proporcionalidade. Assim, o referido postulado incidiria quando,
embora a conduta fosse formalmente típica, o desvalor da ação ou
do resultado se mostrasse irrelevante. A circunstância de se tratar
de réu reincidente ou presente alguma qualificadora não deveria,
automaticamente, afastar a aplicação do princípio da
insignificância. Seria necessária motivação específica à luz
das circunstâncias do caso concreto, como o alto número de
reincidências e a especial reprovabilidade decorrente de
qualificadoras. De todo modo, a caracterização da reincidência
múltipla, para fins de rejeição do princípio da insignificância,
exigiria a ocorrência de trânsito em julgado de decisões
condenatórias anteriores, que deveriam ser referentes a crimes da
mesma espécie. Mesmo quando afastado o princípio da insignificância
por força da reincidência ou da qualificação do furto, o
encarceramento do agente, como regra, constituiria sanção
desproporcional, inadequada, excessiva e geradora de malefícios
superiores aos benefícios.
HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123108)
HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123533)
HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123734)
Princípio da
insignificância: reincidência e crime qualificado - 3
O relator assinalou que, no caso do HC 123.108/MG, a
reincidência do paciente — antes, ele furtara roupas em um varal
e, agora, um chinelo — não deveria ser tratada como impedimento a
que fosse aplicado o princípio da insignificância. Caso se
entendesse que o furto de coisa de valor ínfimo pudesse ser punido
em caso de reincidência do agente, seria necessário admitir que a
insignificância passaria do domínio da tipicidade para o da
culpabilidade. Não seria possível afirmar, à luz da Constituição,
que uma mesma conduta fosse típica para uns e não fosse para outros
— os reincidentes — sob pena de se ter configurado inaceitável
direito penal do autor e não do fato. Ademais, para que a
reincidência excluísse a incidência do princípio da
insignificância, não bastaria mera existência de inquéritos ou
processos em andamento, mas condenação transitada em julgado e por
crimes da mesma espécie. Necessário, ainda, que a sanção
guardasse proporcionalidade com a lesão causada. O encarceramento em
massa de condenados por pequenos furtos teria efeitos desastrosos,
não apenas para a integridade física e psíquica dessas pessoas,
como também para o sistema penitenciário como um todo e,
reflexamente, para a segurança pública. Propôs que eventual sanção
privativa de liberdade aplicável ao furto de coisa de valor
insignificante fosse fixada em regime inicial aberto domiciliar,
afastando-se, para os reincidentes, a aplicação do art. 33, § 2º,
do CP. Embora a prisão domiciliar somente fosse prevista na LEP em
hipóteses restritas, a realidade do sistema prisional obrigaria
juízes e tribunais de todo o País a recorrer a essa alternativa, a
fim de que o condenado não se submetesse a regime mais gravoso do
que aquele a que tivesse direito por falta de vagas. Ponderou que a
pena privativa de liberdade em regime aberto domiciliar deveria ser,
como regra, substituída por pena restritiva de direitos, a afastar
as condicionantes previstas no art. 44, II, III e § 3º, do CP, que
deveriam ser interpretadas à luz da Constituição, sob pena de
violação ao princípio da proporcionalidade. Assentou que as
sanções restritivas de direito teriam caráter ressocializador
muito mais evidente em comparação com as penas privativas de
liberdade, notadamente em casos alcançados pelo princípio da
insignificância. Somente em caso de descumprimento da pena
restritiva deveria haver a reconversão para sanção privativa de
liberdade em regime aberto domiciliar. No HC 123.108/MG, à época
dos fatos em questão, o paciente teria duas condenações
transitadas em julgado por crime de furto simples e esse fato não
afastaria a aplicação do princípio da insignificância, ante o
desvalor do resultado, traduzido pelo ínfimo valor do bem subtraído.
Em seguida, o julgamento foi suspenso.
HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123108)
HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123533)
HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014.
(HC-123734)
ADI: vício de iniciativa
e forma de provimento de cargo público
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação
direta ajuizada em face da LC 259/2002 do Estado do Espírito Santo.
A norma impugnada, de iniciativa parlamentar, autoriza o Poder
Executivo a instituir o Sistema Estadual de Auditoria da Saúde -
SEAS e institui normas para sua estrutura e funcionamento, o que,
conforme alegado, ofenderia os artigos 37, II; 61, § 1º, II, a
e c; 63, I e 84, III, todos da CF, porquanto seria de
competência privativa do Poder Executivo a iniciativa de leis
concernentes à criação de cargos e estruturação de órgãos da
Administração direta e autárquica, além de ser vedada a criação
de forma derivada de provimento de cargo público. O Colegiado
afirmou que, além da inconstitucionalidade formal evidenciada, o
art. 13 da mencionada lei também padeceria de vício material,
porque, ao ter possibilitado o provimento derivado — de servidores
investidos em cargos de outras carreiras — no cargo de auditor de
saúde, teria violado o disposto no art. 37, II, da CF, que exige a
prévia aprovação em concurso para a investidura em cargo público,
ressalvadas as exceções previstas na Constituição. O STF teria,
inclusive, entendimento consolidado sobre o tema, revelado no
Enunciado 685 de sua Súmula (“É inconstitucional toda modalidade
de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia
aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em
cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”).
ADI 2940/ES, rel. Min. Marco Aurélio, 11.12.2014.
(ADI-2940)
ADI: chefia da polícia
civil e iniciativa legislativa
O Plenário julgou procedente pedido formulado em
ação direta para dar interpretação conforme ao § 1º do art. 106
da Constituição do Estado de Santa Catarina, no sentido de que se
mostra inconstitucional nomear, para a chefia da polícia civil,
delegado que não integre a respectiva carreira, ou seja, que nela
não tenha ingressado por meio de concurso público. A norma
impugnada, na redação conferida pela EC estadual 18/1999 — esta
última de iniciativa parlamentar —, dispõe que o chefe da polícia
civil, nomeado pelo governador, será escolhido entre os delegados de
polícia. Na sua redação originária — norma também impugnada —
o dispositivo determinava que a escolha recaísse sobre delegados de
final de carreira. O Colegiado asseverou que, no caso, estaria
viabilizada a disciplina da matéria em comento mediante emenda
constitucional, considerado o parâmetro da Constituição Federal,
portanto, a simetria. Não procederia, assim, a alegação de vício
formal decorrente do vício de iniciativa privativa do Poder
Executivo. No tocante ao vício material, ressaltou que, consoante
disposto no art. 144, § 4º, da CF (“Às polícias civis,
dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada
a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares”), as
polícias civis seriam dirigidas por delegados de carreira. Não
caberia, portanto, a inobservância da citada qualificação, nem a
exigência de que se encontrassem no último nível da organização
policial.
ADI 3038/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 11.12.2014.
(ADI-3038)
ADI: norma administrativa
e vício de iniciativa
O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido
formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da
Lei 10.877/2001, do Estado de São Paulo, de iniciativa parlamentar
[“Fica a Secretaria da Segurança Pública
obrigada a enviar por correio, com 30 (trinta) dias de antecedência,
aviso de vencimento da validade da Carteira Nacional de Habilitação,
aos portadores cadastrados nos terminais da Companhia de
Processamento de Dados do Estado de São Paulo – PRODESP”]. A
Corte entendeu que, por ser tipicamente administrativa, a matéria
deveria ser regulada pelo Poder Executivo e não pelo Poder
Legislativo. Salientou que a norma criara ônus administrativo e
financeiro ao obrigar a Secretaria de Segurança a destacar pessoal,
equipamentos, tempo e energia para advertir o cidadão de que o prazo
de validade da sua carteira estaria a expirar. Vencidos os Ministros
Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que julgavam improcedente o
pedido. Pontuavam não haver inconstitucionalidade
na lei em questão, que apenas buscaria valorizar a relação
entre Estado e cidadão.
ADI 3169/SP, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o
acórdão Min. Roberto Barroso, 11.12.2014. (ADI-3169)
ADPF: fungibilidade e erro
grosseiro
O Plenário desproveu agravo regimental em arguição de
descumprimento de preceito fundamental, na qual se discutia a
inconstitucionalidade por omissão relativa à
Lei 12.865/2013. O Tribunal, de início, reconheceu a
possibilidade de conversão da arguição de descumprimento de
preceito fundamental em ação direta quando imprópria a primeira, e
vice-versa, se satisfeitos os requisitos para a formalização do
instrumento substituto. Afirmou que dúvida
razoável sobre o caráter autônomo de atos infralegais impugnados,
como decretos, resoluções e portarias, e alteração superveniente
da norma constitucional dita violada legitimariam a Corte a adotar a
fungibilidade em uma direção ou em outra, a depender do quadro
normativo envolvido. Ressaltou, porém, que essa
excepcionalidade não estaria presente na espécie. O recorrente
incorrera naquilo que a doutrina processual denominaria de erro
grosseiro ao escolher o instrumento formalizado, ante a falta de
elementos, considerados os preceitos legais impugnados, que pudessem
viabilizar a arguição. No caso, ainda que a arguição de
descumprimento de preceito fundamental tivesse sido objeto de
dissenso no STF quanto à extensão da cláusula da subsidiariedade,
nunca houvera dúvida no tocante à inadequação da medida quando o
ato pudesse ser atacado mediante ação direta de
inconstitucionalidade. Por se tratar de impugnação de lei ordinária
federal pós-constitucional, propor a arguição em vez de ação
direta, longe de envolver dúvida objetiva, encerraria incontestável
erro grosseiro, por configurar atuação contrária ao disposto no §
1º do art. 4º da Lei 9.882/1999. Os Ministros Roberto
Barroso, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia negaram provimento ao agravo
por outro fundamento. Consideraram que o requerente, Sindicato
Nacional das Empresas de Medicina de Grupo, por não ser uma
confederação sindical, não preencheria o requisito da legitimação
ativa “ad causam”.
ADPF 314 AgR/DF, rel. Min.
Marco Aurélio, 11.12.2014.
(ADPF-314)
Liminar em ação
cautelar: recurso extraordinário não admitido e desapropriação -
4
Em conclusão de julgamento, o Plenário, ao resolver
questão de ordem suscitada pela Ministra Cármen Lúcia, declarou a
extinção de ação cautelar por perda de objeto e julgou
prejudicado agravo regimental interposto de decisão que deferira
pedido de medida liminar na referida ação cautelar para suspender
os efeitos de acórdãos de tribunal de justiça local, bem assim a
imissão do ora agravante na posse de imóvel rural. O Estado-membro
agravante alegava que o tema central seria a ocorrência de
preclusão, matéria processual infraconstitucional, não passível
de análise no âmbito de recurso extraordinário. Na espécie,
encontrava-se pendente de exame, no STF, agravo de instrumento
interposto de decisão que negara seguimento a recurso extraordinário
dos proprietários do imóvel, ora agravados — v. Informativos 645
e 656. O Colegiado registrou que o recurso extraordinário tivera,
por fim, seguimento negado, com base nos Enunciados 279, 282, 284 e
356 da Súmula do STF, além de suscitar ofensa indireta à
Constituição. Assim, tendo em vista o prejuízo do recurso
extraordinário, a ação cautelar perdera seu objeto.
AC 2910 AgR-MC/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red.
p/ o acórdão Min. Rosa Weber, 11.12.2014. (AC-2910)
Conflito federativo e
imóvel afetado ao MPDFT - 3
Em conclusão de julgamento, o Plenário julgou
procedente pedido formulado em ação cível originária na qual
discutida a ocupação, pela Associação dos Magistrados de Roraima,
de imóvel pertencente à União. No caso, este ente federativo
ajuizara ação de reintegração de posse contra o Estado de Roraima
e requerera a inclusão da aludida associação na lide, na condição
de litisconsorte passivo — v. Informativo 634. O Colegiado
esclareceu que a União cedera o imóvel ao Ministério da Justiça
que, por sua vez, o cedera para uso do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios - MPDFT, quando Roraima ainda era
Território. Asseverou que seria inconteste a entrega do imóvel para
esse fim e que, com a criação do novo Estado-membro, este deixara
de integrar o MPDFT. Assim, fora implementada a condição aposta em
termo de entrega, segundo a qual haveria reversão do imóvel em
favor do Serviço do Patrimônio Público da União, caso não fosse
utilizado na finalidade prevista. A propriedade do imóvel sempre
fora da União, e ato normativo editado pela recém criada unidade
federativa (LC estadual 2/1993, art. 256, III, c) — no
sentido de que todos os imóveis por ela ocupados passariam ao seu
domínio — não poderia dispor sobre propriedade pertencente à
União. Tendo isso em conta, o Tribunal declarou a
inconstitucionalidade da alínea c do inciso III do art. 256
da LC estadual 2/1993 e determinou a reintegração da União na
posse do imóvel, o qual poderia ser desocupado, voluntariamente, no
prazo de 90 dias, a contar do trânsito em julgado.
ACO 685/RR, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o
acórdão Min. Marco Aurélio, 11.12.2014. (ACO-685)
Lei municipal e vício de
iniciativa
Por vício de iniciativa, o Plenário deu provimento a
recurso extraordinário para declarar, de forma incidental, a
inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 10.905/1990, do Município
de São Paulo, que autoriza oficial de justiça a estacionar seu
veículo de trabalho em vias públicas secundárias e em zonas azuis,
sem pagamento das tarifas próprias. Na espécie, a norma questionada
decorrera de iniciativa de vereador e, mesmo vetada pelo chefe do
Poder Executivo local, fora aprovada pelo Poder Legislativo
municipal. Dessa forma, ao aprovar a Lei 10.905/1990, a Câmara
Municipal de São Paulo, por seus vereadores, teria criado regras
para a prática de atos típicos da Administração pública
municipal. Ademais, ao eximir os oficiais de justiça do pagamento da
denominada “zona azul”, a lei acarretara redução de receita
legalmente estimada, cuja atribuição seria do Poder Executivo, a
evidenciar afronta aos princípio da harmonia e independência dos
Poderes (“Art. 2º São Poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário).
RE 239458/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.12.2014.
(RE-239458)
Art. 132 da CF e criação
de cargos comissionados e
O Plenário referendou medida liminar concedida
monocraticamente com o fim de suspender os efeitos da alínea a
do inciso I do art. 3º; dos artigos 16 e 19; e do Anexo IV, todos da
Lei 8.186/2007, do Estado da Paraíba. Os dispositivos criam cargos
em comissão, no âmbito do Estado-membro, de “Consultor Jurídico
do Governo”; “Coordenador da Assessoria Jurídica”; e
“Assistente Jurídico”. O Colegiado reputou violado o art. 132 da
CF, que confere aos Procuradores de Estado a representação
exclusiva do Estado-membro em matéria de atuação judicial e de
assessoramento jurídico, sempre mediante investidura fundada em
prévia aprovação em concurso público. O aludido dispositivo
constitucional teria por escopo conferir às procuradorias não
apenas a representação judicial, como também o exame da legalidade
interna dos atos estaduais, a consultoria e a assistência jurídica.
O órgão deveria possuir ocupantes detentores das garantias
constitucionais conducentes à independência funcional, para o bom
exercício de seu mister, em ordem a que os atos não fossem
praticados somente de acordo com a vontade do administrador, mas
também conforme a lei. Assim, essa função não poderia ser
exercida por servidores não efetivos, como no caso. Por fim, julgou
prejudicados embargos declaratórios opostos pelo Governador.
ADI 4843 MC-Referendo/PB, rel. Min. Celso de Mello,
11.12.2014. (ADI-4843)
Repercussão Geral
Vedação ao nepotismo e
iniciativa legislativa - 1
Leis que tratam dos casos de vedação a nepotismo não
são de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Esse o
entendimento do Plenário, que, por maioria, deu provimento a recurso
extraordinário para reconhecer a constitucionalidade da Lei
2.040/1990, do Município de Garibaldi/RS, que proíbe a contratação,
por parte do Executivo, de parentes de 1º e 2º graus do prefeito e
vice-prefeito, para qualquer cargo do quadro de servidores, ou função
pública. Discutia-se eventual ocorrência de vício de iniciativa.
Na espécie, o acórdão recorrido, proferido em sede de ação
direta de inconstitucionalidade, declarara a inconstitucionalidade
formal do referido diploma normativo sob o fundamento de que, por se
tratar de matéria respeitante ao regime jurídico dos servidores
municipais, a iniciativa do processo legislativo competiria ao Chefe
do Poder Executivo. O Colegiado, de início, rejeitou preliminares
suscitadas acerca das supostas intempestividade do recurso e
ilegitimidade do Procurador-Geral do Estado para a interposição de
recurso extraordinário contra acórdão proferido em ação direta
de inconstitucionalidade estadual. No tocante à legitimidade do
Procurador-Geral do Estado para o recurso, a Corte destacou o que
disposto no § 4º do art. 95 da Constituição do Estado do Rio
Grande do Sul (“Quando o Tribunal de Justiça apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou de ato normativo,
citará previamente o Procurador-Geral do Estado, que defenderá o
ato ou texto impugnado”), que repetiria, por simetria, o disposto
no § 3º do art. 103 da CF (“Quando o Supremo Tribunal Federal
apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato
normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que
defenderá o ato ou texto impugnado”). Pela teoria dos poderes
implícitos, se a Constituição atribuísse competência a
determinada instituição jurídica, a ela também deveria ser
reconhecida a possibilidade de se utilizar dos instrumentos jurídicos
adequados e necessários para o regular exercício da competência
atribuída. No caso, a Constituição Estadual conferira ao
Procurador-Geral do Estado — em simetria com o Advogado-Geral da
União — o papel de defesa da norma estadual ou municipal atacada
via ação direta, o que o tornaria, portanto, legitimado para a
interposição de recurso extraordinário contra acórdão que
tivesse declarado a inconstitucionalidade da norma defendida, sob
pena de se negar a efetiva defesa desta última.
RE 570392/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.12.2014.
(RE-570392)
Vedação ao nepotismo e
iniciativa legislativa - 2
No mérito, o Colegiado reafirmou o quanto decidido na
ADI 1.521/RS (DJe de 13.8.2013), no sentido de que a vedação a que
cônjuges ou companheiros e parentes consanguíneos, afins ou por
adoção, até o segundo grau, de titulares de cargo público
ocupassem cargos em comissão visaria a assegurar, sobretudo, o
cumprimento ao princípio constitucional da isonomia, bem assim fazer
valer os princípios da impessoalidade e moralidade na Administração
Pública. Ademais, seria importante destacar a decisão proferida no
RE 579.951 (DJe de 24.10.2008) — principal paradigma do Enunciado
13 da Súmula Vinculante do STF —, a afirmar que a vedação do
nepotismo não exigiria a edição de lei formal para coibi-lo,
proibição que decorreria diretamente dos princípios contidos no
art. 37, “caput”, da CF. Portanto, se os princípios do citado
dispositivo constitucional sequer precisariam de lei para que fossem
obrigatoriamente observados, não haveria vício de iniciativa
legislativa em norma editada com o objetivo de dar evidência à
força normativa daqueles princípios e estabelecer casos nos quais,
inquestionavelmente, se configurassem comportamentos
administrativamente imorais ou não-isonômicos. Vencido o Ministro
Marco Aurélio, que negava provimento ao recurso. Reconhecia a
existência de reserva de iniciativa, haja vista que a lei municipal
em comento teria disposto sobre relação jurídica mantida pelo
Executivo com o prestador de serviços desse mesmo Poder.
RE 570392/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.12.2014.
(RE-570392)
GDATFA: gratificações de
desempenho e retroação de efeitos financeiros - 1
O termo inicial do pagamento diferenciado das
gratificações de desempenho entre servidores ativos e inativos é o
da data da homologação do resultado das avaliações, após a
conclusão do primeiro ciclo de avaliações, não podendo a
Administração retroagir os efeitos financeiros a data anterior. Com
base nessa orientação, o Plenário negou provimento a recurso
extraordinário no qual se discutia, à luz do art. 40, § 8º, da
CF, a obrigatoriedade de extensão, aos servidores inativos e
pensionistas, do pagamento da Gratificação de Desempenho de
Atividade Técnica de Fiscalização Agropecuária - GDATFA,
instituída pela Lei 10.484/2002, no mesmo percentual pago àqueles
em atividade. O Tribunal, inicialmente, destacou que a questão em
debate seria análoga àquela decidida no julgamento do RE 476.279/DF
(DJe de 15.6.2007) e do RE 476.390/DF (DJe de 29.6.2007), nos quais
fora apreciada a extensão de outra gratificação — Gratificação
de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA — aos
inativos, e cujo entendimento estaria sedimentado no Enunciado 20 da
Súmula Vinculante [“A Gratificação de Desempenho de Atividade
Técnico-administrativa - GDATA, instituída pela Lei nº
10.404/2002, deve ser deferida aos inativos nos valores
correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no
período de fevereiro a maio de 2002 e, nos termos do artigo 5º,
parágrafo único, da Lei nº 10.404/2002, no período de junho de
2002 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a
que se refere o artigo 1º da Medida Provisória nº 198/2004, a
partir da qual passa a ser de 60 (sessenta) pontos”]. A GDATFA e a
GDATA seriam gratificações com as mesmas natureza e
características. Originalmente, ambas teriam sido concedidas a todos
os servidores de forma geral e irrestrita, apesar de criadas com o
propósito de serem pagas de modo diferenciado, segundo a produção
ou o desempenho profissional, individual ou institucional. A redação
originária do art. 2º da Lei 10.404/2002 teria previsto que o
pagamento da GDATA poderia variar entre 10 e 100 pontos, sendo que a
pontuação mínima fora posteriormente ampliada para 30 pontos pela
Lei 12.702/2012. Já a GDATFA teria limites similares: o art. 2º da
Lei 10.484/2002 traria a variação de 10 a 100 pontos,
posteriormente modificada para 30 a 100 pontos pela Lei 11.907/2009.
Ambas, portanto, tratariam de forma diferenciada os servidores
públicos, a variar de acordo com a atuação individual e o
desempenho coletivo da instituição.
RE 662406/AL, rel. Min. Teori Zavascki, 11.12.2014.
(RE-662406)
GDATFA: gratificações de
desempenho e retroação de efeitos financeiros - 2
A Corte ressaltou, entretanto, que, ao contrário da
GDATA, em relação à GDATFA a Administração teria iniciado e
efetivado as avaliações que justificariam o uso do critério
diferenciador no pagamento — desempenho individual do servidor e
institucional do órgão de lotação —, circunstância
imprescindível para legitimar a ausência de paridade entre os
servidores ativos e os servidores inativos e pensionistas. Portanto,
no caso, a meritocracia pretendida com a criação das gratificações
de desempenho teria sido efetivada, o que permitiria a distinção no
seu pagamento entre os servidores na ativa — de acordo com a
produtividade e o desempenho profissional de cada um —, e entre
estes e os aposentados e pensionistas. Outrossim, o Enunciado 20 da
Súmula Vinculante tratara de gratificação específica — GDATA —
que, em razão da inexistência de critérios de avaliação
justificadores do tratamento diferenciado dos servidores ativos e
inativos, acabara sendo devida de modo equivalente para ativos e
inativos. Todavia, com relação à GDATFA, apesar de criada com
características semelhantes, teria sido implementado, durante sua
vigência, o requisito necessário à legitimação do pagamento
diferenciado. Contudo, mesmo assim, teria ficado pendente o debate
sobre o termo final do direito à paridade. O STF, quando do
julgamento do RE 631.389/CE (DJe 3.6.2014) — o qual tratara da
Gratificação de Desempenho do Plano Geral de Cargos do Poder
Executivo - GDPGPE —, assentara que o marco temporal para o início
do pagamento diferenciado das gratificações de desempenho para
ativos e inativos seria o dia de conclusão da avaliação do
primeiro ciclo, que corresponderia à data igual ou posterior ao
final do ciclo, não podendo retroagir ao seu início. Na situação
dos autos, o primeiro ciclo de avaliação de desempenho dos
servidores públicos que receberiam a GDATFA se iniciara em
25.10.2010, data da publicação da Portaria MAPA 1.031/2010, que
retroagira a essa data o início dos efeitos financeiros. Essa
retroação, portanto, teria contrariado a jurisprudência do STF. Na
prática, deveria ser observado o dia 23.12.2010, data da conclusão
do ciclo e da homologação dos resultados das avaliações. Seria,
portanto, ilegítima a mencionada Portaria MAPA no ponto em que
fizera retroagir os efeitos financeiros da GDATFA ao início do ciclo
avaliativo.
RE 662406/AL, rel. Min. Teori Zavascki, 11.12.2014.
(RE-662406)
Primeira Turma
AP: licitação e
concessão de uso de bem público
A 1ª Turma, por maioria, julgou improcedente pedido
formulado em ação penal e absolveu por atipicidade da conduta (CPP,
art. 386, III, do CPP) réu indiciado pela prática do crime de
dispensa irregular de licitação (Lei 8.666/1993, art. 89, “caput”).
No caso, o acusado, então prefeito, ao firmar
termo de concessão de uso de bem público, teria dispensado
empresário individual de licitação, a quem teria sido outorgado o
direito de utilização, a título gratuito, precário e por prazo
indeterminado, de imóvel pertencente ao município. A Turma
afirmou que, de acordo com o art. 4º da Portaria 266/2008 do
Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, editada com base
no art. 3º da Lei 6.567/1978, o requerimento para registro de
licença para exploração mineral deveria conter licença específica
expedida pela autoridade administrativa do município em que situada
a área a ser explorada, além do assentimento da pessoa jurídica de
direito público quando a ela pertencesse a área. Concluiu que o réu
não dispensara licitação fora das hipóteses legais, uma vez que,
na espécie, o certame não seria exigido. Salientou que a expressão
“termo de concessão de uso de bem público”, contida em
instrumento outorgado ao empresário individual, a despeito de sua
impropriedade técnica — pois não se cuidaria de concessão de
direito real de uso de bem público —, teria a única finalidade de
demonstrar a anuência da prefeitura quanto à exploração da área
a ela pertencente. Consignou que não seria exigível nenhuma
modalidade de licitação para expressar esse assentimento, uma vez
que ele teria sido concedido para regularizar a situação de várias
famílias que estariam em risco iminente, ao explorar pedreira em
outra área. Ressaltou que o empresário individual teria sido
constituído para vincular todas essa pessoas. Ademais, não se teria
observado o dolo. Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que
julgava procedente o pedido, por considerar configurado o referido
crime. Fixava a pena em quatro anos, a ser cumprido em regime inicial
fechado, e 100 dias-multa. Consignava
que, embora a pena restritiva da liberdade não
suplantasse os quatro anos, as circunstâncias da prática criminosa
direcionariam à manutenção e, portanto, à ausência de
substituição pela restritiva de direitos.
AP 523/RS, rel. Min. Marco
Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 9.12.2014.
(AP-523)
Segunda Turma
Busca e apreensão e
autorização judicial - 1
A 2ª Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” em
que se alega a nulidade de provas obtidas a partir de mandado
judicial inespecífico. No caso, ao cumprir
mandado de busca e apreensão que teria como alvo o endereço
profissional do paciente, localizado no 28º andar de edifício,
foram apreendidos dois equipamentos de informática no endereço de
instituição financeira localizada no 3º andar do mesmo edifício,
sem que houvesse mandado judicial para esse endereço. O
Ministro Gilmar Mendes (relator) concedeu a
ordem para determinar a imediata devolução do material apreendido à
referida instituição financeira. De início, reconheceu a
legitimidade do “habeas corpus” para aferir procedimentos de
feição penal ou processual penal. Afirmou que a “casa” seria
protegida contra o ingresso não
consentido, sem autorização judicial, na forma do art. 5º, XI, da
CF (“a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial”).
HC 106566/SP, rel. Min. Gilmar
Mendes, 9.12.2014. (HC-106566)
Busca e apreensão e
autorização judicial - 2
O relator ressaltou que, embora a Constituição
empregasse o termo “casa” à proteção contra a busca domiciliar
não autorizada, essa proteção iria além do ambiente doméstico. O
art. 150, §4º, do CP, ao definir “casa” para fins do crime de
violação de domicílio, traria conceito abrangente do termo (“A
expressão ‘casa’ compreende: I - qualquer compartimento
habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III -
compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão
ou atividade”). Assim, o conceito de “casa” estender-se-ia aos
escritórios profissionais. Reputou que a busca e apreensão de
documentos e objetos realizados por autoridade pública no domicílio
de alguém, sem autorização judicial fundamentada, revelar-se-ia
ilegítima, e o material eventualmente apreendido configuraria prova
ilicitamente obtida. Assim, refutou o argumento de que o mandado de
busca e apreensão não precisaria indicar endereço determinado.
Enfatizou que a legislação processual determinaria que o mandado
contivesse, precisamente, o local da diligência (CPP, art. 243). A
indicação, no caso concreto, não deixara margem para dúvidas e
não teria ocorrido equívoco na localização do endereço da busca.
O local não seria de difícil identificação, como comumente
ocorreria no meio rural. Concluiu que, desde o início, os policiais
teriam identificado o 28º andar como alvo da diligência. Em
seguida, pediu vista a Ministra Cármen Lúcia.
HC 106566/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 9.12.2014.
(HC-106566)
Renitente esbulho e terra
tradicionalmente ocupada por índios
O renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito
possessório, iniciado no passado e persistente até o marco
demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de
1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia
possessória judicializada. Com base nessa orientação e por reputar
não configurado o referido esbulho, a 2ª Turma proveu recurso
extraordinário para desconsiderar a natureza indígena de área não
ocupada por índios em 5.10.1988, onde localizada determinada
fazenda. No caso, o acórdão recorrido teria reconhecido que a
última ocupação indígena na área objeto da presente demanda
deixara de existir desde o ano de 1953, data em que os últimos
índios teriam sido expulsos da região. Entretanto, reputara que,
ainda que os índios tivessem perdido a posse por longos anos, teriam
indiscutível direito de postular sua restituição, desde que ela
decorresse de tradicional, antiga e imemorial ocupação. A Turma
afirmou que esse entendimento, todavia, não se mostraria compatível
com a pacífica jurisprudência do STF, segundo a qual o conceito de
“terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” não abrangeria
aquelas que fossem ocupadas pelos nativos no passado, mas apenas
aquelas ocupadas em 5.10.1988. Nesse sentido seria o Enunciado 650 da
Súmula do STF (“Os incisos I e XI do
art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de
aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado
remoto”). Salientou que o
renitente esbulho não poderia ser confundido com ocupação passada
ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Também não
poderia servir como comprovação de esbulho renitente a sustentação
desenvolvida no acórdão recorrido de que os índios teriam
pleiteado junto a órgãos públicos, desde o começo do século XX,
a demarcação das terras de determinada região, nas quais se
incluiria a referida fazenda. Sublinhou que manifestações esparsas
poderiam representar anseio de uma futura demarcação ou de ocupação
da área, mas não a existência de uma efetiva situação de esbulho
possessório atual.
ARE 803462 AgR/MS, rel. Min.
Teori Zavascki, 9.12.2014.
(ARE-803462)
Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 10.12.2014 11.12.2014 27
1ª Turma 9.12.2014 — 171
2ª Turma 9.12.2014 — 129
R e p e r c u s s ã o G
e r a l
DJe de 8 a 12 de dezembro de 2014
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N.
840.920-DF
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
EXECUÇÃO PROVISÓRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO.
MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO
GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N.
840.432-RJ
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa:
PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL (LEI
5.010/66, ART. 15, I, ANTES DA REVOGAÇÃO OPERADA PELA LEI
13.043/2014). EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM LOCAL DIVERSO DO FORO DO
DOMICÍLIO DO RÉU. LEGITIMIDADE DO CONHECIMENTO DE OFÍCIO DA
INCOMPETÊNCIA PARA SEU PROCESSAMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. A
controvérsia relativa à possibilidade, ou não, do conhecimento de
ofício da incompetência para o processamento de execução fiscal
ajuizada em local diverso do foro do domicílio do réu, fundada na
interpretação do Código de Processo Civil, é de natureza
infraconstitucional.
2. É
cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de
repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser
apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna se dê de forma
indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, DJe de
13/03/2009).
3.
Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do
art. 543-A do CPC.
Decisões
Publicadas: 2
C l i p p i n g d o D Je
DJe de 8 a 12 de dezembro de 2014
Inq N. 3.767-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
DENÚNCIA –
RECEBIMENTO. Atendendo a denúncia ao figurino formal e havendo o
enquadramento dos fatos em tipo penal, comprovada a materialidade e
indícios de autoria, cabe o recebimento.
*noticiado no Informativo 765
AR N. 2.274-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA:
AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, INCS. II, V E IX, DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO PARA FISCAL DO TRABALHO. CANDIDATOS
APROVADOS NA 1ª FASE. PRETENSÃO DE PARTICIPAR DA 2ª ETAPA DO
CERTAME. PRECEDENTES. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE.
1. Nos
termos do art. 485, inc. II, do Código de Processo Civil, o
impedimento que viabilizaria a ação rescisória pressupõe ter o
Ministro contrariado o art. 134 daquele Código. A circunstância de
o Ministro Relator ter atuado como Advogado-Geral da União em
processos distintos não causa o seu impedimento no Recurso
Extraordinário n. 367.460.
2.
Incabível a presente ação rescisória por fundamentar-se o acórdão
rescindendo na pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
sobre a matéria.
3. Erro de
fato consiste em admitir existente situação não ocorrida ou ou
considerar inexistente algo efetivamente ocorrido. Não há erro
quando a decisão impugnada apenas contraria as pretensões dos
Autores.
4. Ação
rescisória julgada improcedente.
*noticiado no Informativo 746
RE N. 609.381-GO
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TETO DE RETRIBUIÇÃO. EMENDA
CONSTITUCIONAL 41/03. EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXIMOS NELA
FIXADOS. EXCESSOS. PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA
IRREDUTIBILIDADE.
1. O teto
de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui
eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele
discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas
pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal
anterior.
2. A
observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira
condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no
serviço público. Os valores que ultrapassam os limites
pré-estabelecidos para cada nível federativo na Constituição
Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com
amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos.
3. A
incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a
presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão
remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não
de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração
Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja
compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição
Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de
retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de
violação qualificada do texto constitucional.
4. Recurso
extraordinário provido.
*noticiado no Informativo 761
RE N. 226.899-SP
RED.A P/ O ACÓRDÃO: MIN.
CÁRMEN LÚCIA
EMENTA:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE
MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. ENTRADA DE MERCADORIA
IMPORTADA DO EXTERIOR. ARRENDAMENTO MERCANTIL INTERNACIONAL. LEASING.
CONTRATO DE NATUREZA COMPLEXA. NÃO EXERCÍCIO DA OPÇÃO DE COMPRA.
BEM SUSCETÍVEL DE DEVOLUÇÃO AO ARRENDADOR. INEXISTÊNCIA DE
CIRCULAÇÃO ECONÔMICA DA MERCADORIA IMPORTADA. NÃO INCIDÊNCIA DO
IMPOSTO. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DO INC. II E DO § 2º, INC. IX,
AL. A, DO ART. 155 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO
QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
*noticiado no Informativo 761
QUEST. ORD. EM RE N.
650.851-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Recurso
extraordinário. Questão de ordem. 2. A imposição de restrições,
por legislação local, à contagem recíproca do tempo de
contribuição na administração pública e na atividade privada
para fins de concessão de aposentadoria viola o art. 202, § 2º, da
Constituição Federal, com redação anterior à EC 20/98.
Precedentes. A Lei n. 1.109/81 do Município de Franco da Rocha/SP
não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. 3.
Jurisprudência pacificada pela Corte. Repercussão Geral.
Aplicabilidade. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a
repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal e dar
parcial provimento ao recurso extraordinário para determinar à
Administração Municipal que examine o pedido de aposentadoria do
recorrente considerando a contagem recíproca do tempo de
contribuição na administração pública e na atividade privada
para o fim de sua concessão. 5. Aplicação dos procedimentos
previstos no art. 543-B, § 3º, do Código de Processo Civil.
*noticiado no Informativo 761
EMB. DECL. NO Inq N. 3.862-DF
RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO
Ementa:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. INQUÉRITO.
REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME. ILEGITIMIDADE ATIVA 1. Os conselhos
indigenistas não possem legitimidade ativa em matéria penal. Deve,
portanto, ser rejeitada a queixa-crime porque não cabe a ação
penal privada proposta, que é subsidiária da pública, para
imputar a prática dos crimes de racismo e incitação à violência
e ódio contra os povos indígenas. 2. Embargos de declaração
recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento.
*noticiado no Informativo 768
Acórdãos
Publicados: 335
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar
aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais
aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço
trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de
modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Art.
383 do CP: “emendatio libelli” e “reformatio
in pejus” (Transcrições)
(v.
Informativo 770)
HC
123.251/PR*
RELATOR:
Ministro Gilmar Mendes
Habeas Corpus. 2.
Emendatio libelli (art. 383, CPP) em segunda instância
mediante recurso exclusivo da defesa. Possibilidade, contanto que não
gere reformatio in pejus, nos termos do art. 617, CPP. A pena
fixada não é o único efeito que baliza a condenação, devendo ser
consideradas outras circunstâncias para verificação de existência
reformatio in pejus. 3. A desclassificação do art.
155, § 4º, II, para o art. 312, § 1º, ambos do Código Penal,
gera reformatio in pejus, visto que, nos crimes contra a
Administração Pública, a progressão de regime é condicionada à
reparação do dano causado, ou à devolução do produto do ilícito
(art. 33, § 4º, CP). 4. Writ denegado nos termos em que
requerido, mas, de ofício, concedido habeas corpus.
RELATÓRIO:
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado
pela Defensoria Pública da União, em favor de **, contra acórdão
da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que não conheceu do
Habeas Corpus n. 247.252/PR.
Na espécie, a paciente,
funcionária pública por equiparação (empregada de sociedade de
economia mista), foi denunciada pela prática de delito de furto
qualificado, uma vez que, em cinco oportunidades, nas datas de 13.11,
28.11, 6.12, 12.12 de 2006 e 30.1.2007, mediante abuso de confiança,
teria subtraído do interior de laboratório da SANEPAR (Companhia de
Saneamento do Paraná), sua empregadora, cartuchos de impressora
(eDOC 3, p. 6-10).
A denúncia foi recebida em
4.11.2008 (eDOC 4, p. 44).
Sobreveio sentença em 27.2.2009,
julgando parcialmente procedente a denúncia para condenar a ora
paciente pela prática de furto qualificado (art. 155, § 4º, II, do
Código Penal), responsabilizando-a pelo fato praticado em 30.1.2007
(fato 5) e condenando-a à pena de 2 anos de reclusão, em regime
aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa (eDOC 5, p. 48-61).
A defesa interpôs recurso de
apelação, o qual não foi provido. Contudo, na ocasião, a Quinta
Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná decidiu, por
unanimidade, reformar a sentença, de ofício, para dar nova
definição jurídica ao fato delituoso, condenando a paciente agora
pela prática do crime de peculato (art. 312, § 1º, do Código
Penal), mantendo a reprimenda em 2 anos de reclusão, em regime
aberto (eDOC 6, p. 92-101).
Foram opostos embargos de
declaração, que restaram rejeitados (eDOC 6, p. 121-124). A defesa
então interpôs recurso especial, o qual teve o seguimento negado
pelo 1º Vice-Presidente do TJ/PR (eDOC 7, p. 66-68). Por esse
motivo, foi interposto recurso de agravo (AREsp 30.848/PR) que,
encaminhado ao STJ, teve seu provimento negado (eDOC 7, p. 121-123).
A Defensoria Pública da União,
por seu turno, também interpôs agravo regimental, que não foi
conhecido (eDOC 7, p. 141-147), decisão que deu origem à oposição
de embargos declaratórios, ao final rejeitados (eDOC 7, p. 165-168).
Diante desse quadro, impetrou-se
habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que não
conheceu do writ, nos termos da seguinte ementa:
“HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO
ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ESPECIAL CABÍVEL.
IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA
MAGNA. NÃO CONHECIMENTO.
1. Com o intuito de homenagear
o sistema criado pelo Poder Constituinte Originário para a
impugnação das decisões judiciais, necessária a racionalização
da utilização do habeas corpus, o qual não deve ser
admitido para contestar decisão contra a qual exista previsão de
recurso específico no ordenamento jurídico.
2. Tendo em vista que a
impetração aponta como ato coator acórdão proferido por ocasião
do julgamento de apelação criminal, contra a qual seria cabível a
interposição do recurso especial, depara-se com flagrante
utilização inadequada da via eleita, circunstância que impede o
seu conhecimento.
3. O constrangimento apontado
na inicial será analisado, a fim de que se verifique a existência
de flagrante ilegalidade que justifique a atuação de ofício por
este Superior Tribunal de Justiça.
FURTO QUALIFICADO (ART. 155, §
4.º, II, DO CÓDIGO PENAL). CONDENAÇÃO. APELAÇÃO EXCLUSIVA DA
DEFESA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. REFORMATIO IN PEJUS.
NÃO OCORRÊNCIA.
1. A emendatio libelli
pode ser aplicada em segundo grau, desde que nos limites do art. 617
do Código de Processo Penal, que proíbe a reformatio in pejus.
2. Não há ilegalidade no
procedimento adotado pelo Tribunal estadual ao retificar a condenação
da paciente, dando-a como incursa no artigo 312, § 1.º, do
Código Penal, já que, nos exatos termos do artigo 617, combinado
com o artigo 383, ambos do Código de Processo Penal, atribuiu
definição jurídica diversa aos fatos contidos na inicial sem
majorar-lhe a pena.
3. Tendo o Tribunal coator
pura e simplesmente atribuído definição jurídica diversa ao fato
devidamente narrado na inicial acusatória, não se pode falar em
cerceamento de defesa, tampouco em violação ao princípio do
contraditório, uma vez que o acusado se defende das condutas que lhe
são imputadas na peça vestibular, e não da capitulação jurídica
a elas dada pelo órgão acusatório.
4. Habeas corpus não
conhecido”. (eDOC 9, p. 93-94).
Daí, a impetração do presente
habeas corpus nesta Corte, por meio do qual a defesa alega que
o TJPR, ao ter promovido a emendatio libelli, de ofício, no
âmbito de recurso exclusivo da defesa, sem a anulação do processo,
violou os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal.
A esse propósito aduz:
“Então, a aplicação de
ofício, no âmbito de recurso exclusivo da defesa, da regra
resultante da combinação entre o art. 617 do CPP e o art. 383,
caput, do mesmo diploma legal, sem a anulação do processo,
caracterizou, no presente caso, violação aos princípios do
contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, impôs
inegáveis prejuízos à defesa e caracterizou reformatio in
pejus”.
Ao final, postula a extinção da
punibilidade em decorrência da prescrição da pretensão punitiva.
Assim, requer:
“(...) o deferimento do
pedido liminar, para que, até o julgamento definitivo do presente
writ, promova-se a suspensão da execução das penas impostas
nos autos do Processo 2007.2265-4, que tramitou na 4ª Vara Criminal
da Comarca de Maringá/PR”.
E, no mérito, pede:
“b) a confirmação da
liminar, se deferida, e a concessão da ordem de habeas corpus,
mesmo de ofício, para anular-se o processo-crime a partir da
denúncia, a fim de que outra seja oferecida, segundo a nova
capitulação aventada pelo Tribunal local, determinando-se,
inclusive, a adoção do rito processual dos crimes de
responsabilidade dos funcionários públicos, bem como para
reconhecer-se a extinção da punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva;
c) subsidiariamente, a
confirmação da liminar, se deferida, e a concessão da ordem de
habeas corpus, mesmo de ofício, para anular-se o
processo-crime a partir da defesa prévia ou das alegações finais,
considerando a nova capitulação dos fatos, bem como para
reconhecer-se a extinção da punibilidade pela prescrição da
pretensão punitiva”.
O pedido liminar foi indeferido
(eDOC 10).
A Procuradoria-Geral da República
manifestou-se pelo não conhecimento do writ e, caso
conhecido, pela denegação da ordem. Confira-se a ementa do referido
parecer:
“HABEAS CORPUS.
INADMISSIBILIDADE. SERVIDORA PÚBLICA. CONDENAÇÃO POR FURTO.
MUDANÇA DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA DO FATO EM SEDE DE APELAÇÃO,
COM A MANUTENÇÃO DA PENA IMPOSTA EM PRIMEIRO GRAU. REFORMATIO
IN PEJUS. INEXISTÊNCIA. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DA
IMPETRAÇÃO E, SE CONHECIDA, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM”. (eDOC
14).
É o relatório.
VOTO:
Conforme relatado, em primeira instância, ** restou condenada à
pena de dois anos de reclusão e dez dias-multa pela prática do
delito insculpido no artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal.
Irresignada, apelou. Em segundo grau, o recurso não obteve
provimento, todavia o Tribunal, acolhendo parecer ministerial, deu
nova definição jurídica aos fatos, condenando a ora paciente pela
prática do delito de peculato, nos termos do artigo 312, § 1º, do
Código Penal. Apesar da nova capitulação legal, as reprimendas não
sofreram qualquer alteração.
No presente habeas corpus,
a defesa entende que a efetivação da emendatio libelli, de
ofício, em segundo grau de jurisdição, no âmbito de recurso
exclusivo da defesa, está a gerar constrangimento ilegal porquanto
viola os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal. Aponta, ainda, a ocorrência de prescrição.
Preliminarmente, cumpre afastar a
superveniência da prescrição.
A pena já fixada, de dois anos
de reclusão, prescreve em 4, nos termos do inciso V do artigo 109 do
Código Penal. Ora, entre a data dos fatos (janeiro de 2007) e o
recebimento da denúncia (novembro de 2008) ou entre a prolação da
sentença condenatória (fevereiro de 2009) e o trânsito em julgado
da condenação, não transcorreram mais de quatro anos, fazendo com
que a pretensão punitiva siga hígida.
Adiante, cumpre examinar o mérito
deste writ.
Como sabido, nos termos do art.
383 do CPP, a emendatio libelli se dá quando o juiz atribui
aos fatos, tais como descritos na denúncia, definição jurídica
diversa, ainda que isso resulte na fixação de pena mais grave do
que aquela resultante da pretensão acusatória inicial.
Acrescento que, nos termos da
jurisprudência desta Corte, também, é possível a realização da
emendatio libelli em segundo grau de juridição, mesmo em
casos de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitados os
limites estabelecidos pelo art. 617 do CPP, que assim dispõe:
Art. 617 - O tribunal, câmara
ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386
e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a
pena, quando somente o réu houver apelado da sentença
O Tribunal de Justiça do Estado
do Paraná assim consignou:
“Primeiramente, verifica-se
que, como bem observou o douto Procurador de Justiça em percuciente
parecer de fls. 241/249, a conduta pela qual a apelante foi condenada
se subsume ao crime de peculato, descrito no art. 312, §
1º, do Código Penal, pois equipara-se a apelante a
funcionária pública, nos termos do art. 327, §1º do
CP.
Deste modo, imperioso se faz a
emendatio libelli (art. 383 c/c. art. 617
do CPP), para o fim de dar nova definição jurídica à
conduta perpetrada, condenando a apelante às sanções do
art. 312, § 1º, do Código Penal”. (eDOC
6, p. 97).
Peculato nada mais é do que
furto qualificado pelo agente, que deve ser funcionário público.
Tecnicamente, esse foi o fato descrito na exordial de acusação. E o
Tribunal de Apelação, após afastar as pretensões defensivas, nada
mais fez do que readequar a capitulação legal à narrativa
apresentada. A pena privativa de liberdade foi mantida, na tentativa
de não gerar qualquer prejuízo à sentenciada.
Ponderando atentamente os efeitos
da condenação e as circunstâncias outras referentes à emendatio
libelli efetivada, inevitável concluir pela superveniência de
vedada reformatio in pejus, apesar dos esforços empreendidos
pelo TJ/PR.
Não se pode olvidar que a pena
fixada não é o único efeito ou única circunstância que permeia
uma condenação.
Há uma regra específica para os
condenados pela prática de crime contra a Administração Pública,
como é o caso do peculato: a progressão de regime do cumprimento da
pena respectiva é condicionada à reparação do dano causado, ou à
devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos
legais, como definido pelo artigo 33, § 4º, do Código Penal. Nos
termos do acórdão, ** foi condenada a regime inicial aberto e, à
primeira vista, não se submete a tal regra. Todavia, não se pode
descartar que, durante a execução da reprimenda, sofra regressão
de regime e seja prejudicada pela emendatio libelli
aparentemente inofensiva, nos termos expostos.
Sendo assim, não penso ser caso
de tornar o errado adequado e, mediante contorcionismos
interpretativos, entrar na discussão acerca do direito ao
procedimento especial previsto no artigo 514 do Código de Processo
Penal, como aventado no writ em epígrafe, mas sim de extirpar
de pronto o ato ilegal praticado, qual seja: a desclassificação
delitiva que gerou reformatio in pejus. Dessarte, deve-se
manter a condenação firmada no dispositivo originariamente
previsto: artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal. De resto,
não há qualquer insurgência defensiva quanto à fundamentação,
perfeitamente assentada.
Ante o exposto, denego o writ,
mas concedo habeas corpus, de ofício, apenas para reenquadrar
a condenação no artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal,
conforme constou da sentença.
*
acórdão pendente de publicação
**
nome suprimido pelo Informativo
Inovações Legislativas
8 a 12 de dezembro de 2014
MEIO AMBIENTE – Penalidade – Sanção
administrativa – Animal
Outras Informações
8 a 12 de dezembro de 2014
Mensagem de veto total nº 418 de 8.12.2014
- Projeto de Lei nº 7.082, de 2010 (nº 161/09 no Senado Federal),
que “Altera os arts. 20 e 24 da Lei nº 8.212, de 24.7.1991, que
dispõe sobre a organização da Seguridade Social, para reduzir a
contribuição social do empregador e do empregado doméstico; revoga
dispositivos da Lei nº 9.250, de 26.12.1995; e dá outras
providências”.
Decreto nº 8.375, de 11.12.2014 - Define
a Política Agrícola para Florestas Plantadas. Publicado no DOU em
12.12.2014, Seção 1, p. 5.
O Informativo STF volta a circular em fevereiro de 2015.
Secretaria de Documentação –
SDO
Coordenadoria de
Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD