O DIREITO DE GREVE OU DIREITO DE ATENDIMENTO MÉDICO(SAÚDE)?



SUSPENSÃO DE LIMINAR 706 BAHIA
REGISTRADO :MINISTRO PRESIDENTE
REQTE.(S) :MUNICÍPIO DE SALVADOR
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE
SALVADOR
REQDO.(A/S) :RELATOR DO AGRAVO REGIMENTAL Nº
000999486201380500000005 DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) :SINDIMED - SINDICATO DOS MÉDICOS DO
ESTADO DA BAHIA
ADV.(A/S) :RENATO MÁRCIO ARAÚJO PASSOS DUARTE
O MUNICÍPIO DE SALVADOR/BA ajuizou pedido de suspensão dos efeitos da decisão monocrática proferida em 3/7/2013 nos autos do Procedimento Ordinário 0009994-86.2013.8.05.0000, em tramitação no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, que, em sede de agravo regimental, sustou as decisões anteriormente proferidas em 7/6/2013 e  6/6/2013 naquele mesmo processo, que haviam determinado, em antecipação de tutela e sob pena de aplicação de multa diária no valor de
cem mil reais, “o imediato retorno de todos os associados do Sindicato dos Médicos do Estado da Bahia – SINDMED ao desempenho das suas atribuições no município de Salvador, abstendo-se de praticar qualquer ato capaz de prejudicar o funcionamento, ainda que parcial, dos serviços de saúde prestados à população”.
A municipalidade requerente alega que a decisão ora impugnada, ao decidir precariamente pela legitimidade do movimento grevista deflagrado pelos servidores médicos responsáveis pelo atendimento à saúde da população de Salvador/BA, tem causado sérios prejuízos, visto
que motivou o recrudescimento do movimento paredista, com “o afastamento de mais profissionais, inviabilizando serviços de atendimento e acompanhamento psiquiátrico, assim como os atendimentos de urgência e emergência”. Afirma, ademais, a ocorrência “de superlotação em toda a rede privada conveniada e nos hospitais públicos dos demais entes federados”.
Sustenta que, não obstante o Plenário desta Corte já ter vislumbrado a impossibilidade do pleno exercício do direito de greve por parte de certas categorias de servidores públicos, como aquelas que desempenham atividades relacionadas à segurança e à saúde públicas (Rcl 6.568/SP, Rel.
Min. Eros Grau), a decisão ora contestada permitiu a realização de greve
pelo servidores médicos do Município de Salvador/BA “sem nenhuma
prova de que haja suficiência dos serviços médicos que o sindicato diz estar mantendo”.
Assevera que a não concessão de reajustes salariais pretendidos ou a ausência e falha de infraestrutura nas unidades de atendimento não deveriam justificar a paralisação dos serviços. Ressalta, outrossim, que o
sindicato requerido na ação ordinária ajuizada no TJBA não cumpriu as exigências legais para a deflagração do movimento grevista, “como o exaurimento das vias negociais, notificação com, no mínimo, 72 horas de
antecedência e manutenção de atendimento em quantidade suficiente para evitar a desassistência e o colapso dos serviços públicos de saúde”.

O requerente, valendo-se de ofício exarado em 10/7/2013 pela Diretoria de Atenção à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, aponta grave lesão à ordem social e à saúde pública, que estaria consubstanciada, principalmente, no não comparecimento, desde a publicação da decisão ora contestada, de muitos profissionais médicos da rede pública de saúde mental e de urgência/emergência aos seus postos de trabalho, agravando sobremaneira as dificuldades de atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde.
Aponta, nesse sentido, que o afastamento dos médicos psiquiatras dos Centros de Atenção Psicossocial tem impedido o atendimento de cerca de 3.600 portadores de transtorno mental, “comprometendo inclusive o acesso a medicamentos controlados devido à falta de receita médica”.

Afirma, ainda, que, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Adroaldo Albergaria, 27 plantões estão descobertos desde 4/7/2013, o que teria impedido o atendimento de 1.620 pessoas. Informa que, devido à ausência de médicos pediatras, “foi totalmente suspenso o atendimento de crianças”. Destaca, ademais, que dos 39 médicos lotados na referida unidade de atendimento, 22 deles aderiram à greve, o que teria comprometido o funcionamento de 198 plantões. Aduz, por fim, que, em 35 dias de paralisação, 11.880 pessoas ficaram sem atendimento médico, “sendo que em três dias houve total desassistência à população do Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário, com a falta de todos os médicos do plantão”.
Após ressaltar que a situação narrada também alcança outras unidades de emergência da cidade, onde equipes compostas por dois ou três médicos por plantão somente estariam atendendo pacientes classificados como de alto risco, alega que a greve em curso também tem causado sobrecarga a outras unidades de emergência do Estado da Bahia, “ocasionando a superlotação destas, que também atendem pacientes provenientes do interior”.
Requer, ao final, a suspensão dos efeitos da decisão que cessou a antecipação dos efeitos da tutela concedida no Processo 0009994- 86.2013.8.05.0000, “a fim de que, assim, seja imposta a obrigação de que todos os médicos associados retornem aos seus postos, com abstenção da prática de quaisquer atos capazes de prejudicar o funcionamento, ainda que parcial, dos serviços de saúde prestados à população soteropolitana”.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, reconheço que a controvérsia instaurada na ação ordinária em curso no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia evidencia a existência de matéria constitucional, visto que discutido o próprio alcance
do art. 37, VII, da Constituição Federal, tendo-se em conta outros princípios e garantias constitucionais, o que obstaria, em tese, a própria
aplicabilidade da Lei 7.783/1989.
Como se sabe, a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para apreciar questão cujo fundamento jurídico ostente natureza constitucional, conforme a jurisprudência consolidada desta Casa, da qual aponto os seguintes precedentes: Rcl 497-AgR/RS, Rel.  in.
Carlos Velloso; SS 2.187-AgR/SC, Rel. Min. Maurício Corrêa; e SS 2.465/SC, Rel. Min. Nelson Jobim.
Assevere-se, ademais, que os diplomas que tratam do instituto da suspensão (Leis 12.016/2009, 8.437/1992 e 9.494/1997) autorizam o seu deferimento em caso de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
No presente caso, a continuidade do movimento grevista pelos médicos da rede pública de saúde do Município de Salvador/BA, autorizada pela decisão ora impugnada, já provoca, conforme acima relatado, quadro de extrema gravidade que poderá inviabilizar por completo o já combalido sistema público de saúde e, por conseguinte, o próprio direito à saúde da população, previsto no art. 196 e seguintes da Constituição da República.
Não se desconhecem os graves problemas de estrutura e gestão vivenciados pelos médicos brasileiros nos hospitais e demais unidades públicas de saúde, todavia a desassistência causada pelos movimentos grevistas deflagrados por essa categoria profissional de essencialidade máxima na vida em sociedade inflige pena extremamente gravosa à população, já atingida pelas demais deficiências ainda existentes no Sistema Único de Saúde.

Supremo Tribunal Federal
Trata-se, certamente, de circunstância mais que suficiente para configurar lesão à ordem pública, no seu viés administrativo, e à saúde pública.
Ante o exposto, com fundamento no art. 4º da Lei 8.437/1992, defiro o pedido para suspender os efeitos da decisão prolatada em 3/7/2013 no Agravo Regimental 0009994-86.2013.8.05.0000/50000, ficando restabelecida, por conseguinte, até o julgamento de mérito da Ação Ordinária 0009994-86.2013.8.05.0000 pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, a eficácia das decisões proferidas em 7/6/2013 e 26/6/2013 nos referidos autos.
Comunique-se com urgência.
Publique-se.
Brasília, 23 de julho de 2013.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI
Presidente em exercício

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