| Processo |
Processo 832068520034013 RECURSO CONTRA SENTENÇA DO JUIZADO CÍVEL |
| Relator(a) |
| RENATO MARTINS PRATES |
| Sigla do órgão |
| TRMG |
| Órgão julgador |
| 1ª Turma Recursal - MG |
| Fonte |
| DJMG 11/06/2003 |
| Decisão |
| A Turma, à unanimidade, nos termos do voto do juiz relator, concedeu o habeas corpus em favor de REGINA LEAL JAMIL, para determinar o trancamento da ação penal que lhe move o Ministério Público Federal, estendendo a ordem (art. 648, VI, do CPP) aos acusados RÔMULO FORMIGLI ALVES E GUMERCINDO GONZAGA de LÉLLIS. |
| Ementa |
| HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO (ART. 203 DO CPB). RECEBIMENTO de DENÚNCIA, PELO JUIZ DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA da Turma Recursal. OFENSA A DIREITOS COLETIVOS DE TRABALHADORES COOPERATIVADOS. COMPETÊNCIA da JUSTIÇA FEDERAL (JUIZADO ESPECIAL). AUSÊNCIA de DESCRIÇÃO DOS FATOS CRIMINOSOS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO de DEFESA. EXAME DA AUSÊNCIA de JUSTA CAUSA, POR DEFICIÊNCIA da PROVA PREJUDICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CONCESSÃO da ORDEM. 1 - Não obstante a inexistência de expressa previsão legal, compete à Turma Recursal - a quem incumbe a apreciação de recursos criminais contra decisões de primeira instância do Juizado Especial Federal, por uma questão de paralelismo, coerência e de hierarquia jurisdicional, para se evitarem julgamentos contraditórios - o julgamento de habeas corpus contra ato de Juiz do Juizado Especial Federal Criminal. Precedentes do STJ. 2 - Tratando-se de violação a direitos de uma coletividade de trabalhadores cooperados, a competência para o julgamento da ação penal é da Justiça Federal. 3 - A ação penal independe do julgamento final na instância trabalhista de ação civil pública, movida pelo Ministério Público do Trabalho, não se tratando, no caso, de questão prejudicial obrigatória. Inteligência dos arts. 92 a 94 do CPP. 4 - Não descrevendo a denúncia, minimamente, as circunstâncias elementares do crime imputado à paciente e a outros denunciados, inobservando a disposição do artigo 41 do CPP, é de se considerar nula, por inepta ,a acusação, vez que ausente a causa petendi. O recebimento da denúncia, neste caso,viola a garantia do devido processo legal e o direito à ampla defesa. 5 - A indigência da narrativa da denúncia não permite, de pronto, a avaliação da inexistência de justa causa pela ausência de provas, porquanto não se sabendo qual é a conduta delituosa não se tem como aferir se há ou não indícios de sua prática. 6 - Habeas corpus concedido, em favor da paciente e estendido (art. 648,VI, do CPP) a outros acusados que se encontram na mesma situação desta. Trancamento da ação penal. |
| Inteiro Teor |
| RELATÓRIO O Exmo. Sr. Juiz RENATO MARTINS PRATES (Relator): - LEONARDO COELHO DO AMARAL e GIOVANNI FREDERICO ALTIMINAS, advogados, qualificados na inicial, impetraram, em favor de REGINA LEAL JAMIL, igualmente qualificada na peça exordial, habeas corpus em vista de coação ilegal imputada ao MM. Juiz do 1o JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CRIMINAL ADJUNTO da 4ª VARA da SJMG, face a alegada violação das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sofrida pela paciente e visando ao trancamento de ação penal em que figura esta como acusada.Em abreviada síntese, relatam os impetrantes que a paciente, empregada da Caixa Econômica Federal em Belo Horizonte, onde ocupa o cargo de Gerente de Filial da Gerência de Suprimentos (GISUP/BH), após regular procedimento licitatório na modalidade de pregão, do qual não participara, finalizado com a homologação e adjudicação de seu objeto, ato de responsabilidade do Superintendente Nacional de Recursos Materiais da CEF e obedecendo ao comando de seu superior hierárquico e na condição de representante da CEF, firmou, com a COOPSERVIÇO, "contrato de prestação de serviços de tratamento de dados". Todavia, a mencionada cooperativa e sua relação com a CEF foram objeto de investigação, por parte do Ministério Público do Trabalho, que deu origem a ação civil pública - processo n. 01885/01, distribuída para a 22ª Vara do Trabalho desta cidade, aguardando, atualmente, julgamento de recurso no TRT da 3ª Região, em vista de conduta supostamente fraudulenta e lesiva aos direitos dos cooperados. Oferecida notitia criminis pelo MPT à Procuradoria da República deste Estado, contra a paciente e outras 06 pessoas, foi requerida a abertura de procedimento criminal, por parte da Procuradora da República, Dra. Cibele Benevides Guerra Mafra, em vista da ocorrência de crime previsto no artigo 203 do Código de Penal, tendo sido oferecida denúncia em relação à paciente, recebida pela autoridade impetrada. Entendem os impetrantes que a denúncia é inepta, ofendendo o status dignitatis da pessoa da paciente e lhe causando constrangimento ilegal, de vez que, como se afirma, "nem de longe permite a visualização do que de fato está sendo acusada", deixando de narrar qual fato delituoso seria imputado à paciente. Inexistiria, outrossim, justa causa para a instauração da ação penal, de vez que a paciente apenas assinara o contrato com a COOPSERVIÇO, ato do qual não poderia se furtar, de vez que mencionada cooperativa teria se sagrado vencedora no procedimento licitatório, não se havendo colhido, no procedimento levado a cabo pelo MPT, qualquer indício de que a paciente teria contribuído para a suposta frustração de direitos trabalhistas dos prestadores de serviços vinculados à cooperativa. Por fim, entende-se também precipitada a ação criminal, pois que dever-se-ia aguardar o desfecho do processo perante a Justiça do Trabalho, como questão prejudicial, para só então se poder concluir pela existência do delito tipificado no artigo 203 do Código Penal : "Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho". A petição inicial fez-se acompanhada dos documentos de fls. 23-248. Notificada, a ilustre autoridade impetrada prestou informações, a fls. 252-254. Em parecer de fls. 257-261, opinou o Ministério Público Federal pelo indeferimento do writ, de vez que o comando das atividades exercidas pelos cooperados seria dos tomadores de serviço, que, assim, teria agido em conluio com os dirigentes da cooperativa. A paciente teria sido responsável pela celebração do contrato com a cooperativa, em nome da Caixa Econômica Federal, havendo também sido a pessoa responsável pelo julgamento do pregão pela qual esta sagrara-se vencedora na licitação havida. Lembrou, ainda que, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "em se tratando de crimes societários ou de autoria coletiva, é suficiente, na denúncia, a descrição genérica dos fatos, reservando-se à instrução processual a individualização da conduta de cada acusado".É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Juiz RENATO MARTINS PRATES (Relator): - Cumpre examinar-se, inicialmente, a competência desta Turma Recursal para apreciar o presente habeas corpus. A lei n. 9099/95, assim como a Lei n. 10259/2001 silenciaram-se a respeito da competência para julgamento de habeas corpus, quando a autoridade impetrada for Juiz do Juizado Especial, o que gerou, de início, algum dissenso doutrinário e jurisprudencial. Para alguns autores, em vista do texto constitucional (art. 108, I, "d"), a competência para o julgamento do habeas corpus, em se tratando de ato imputado a Juiz Federal, seria do Tribunal Regional Federal, da mesma forma em que, cuidando-se de ato de Juiz de Direito, a competência seria do Tribunal de Justiça ou Tribunal de Alçada. Este o entendimento de TOURINHO FILHO , da Comissão Nacional de Interpretação da Lei n. 9099/95 e de MANTOVANI COLARES CAVALCANTE . Todavia, tem-se hoje como largamente majoritária a corrente doutrinária e jurisprudencial que entende competente a Turma Recursal, para o julgamento de habeas corpus contra ato de Juiz do Juizado Especial. Há de se destacar que os Juizados Especiais Federais constituem um órgão novo na estrutura jurisdicional e, não obstante o exercício da jurisdição se faça por juízes federais, nem por este motivo se há de aplicar o disposto no artigo 108, I, "d" da Constituição, porque neste caso a função exercida é distinta. É o caso de se comparar, por exemplo, o exercício da função da jurisdição eleitoral por juiz federal ou juiz de direito. Neste caso, eventual habeas corpus não será apreciado pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal. A diferença é que os Juizados Especiais estão administrativamente vinculados aos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, mas a função é nova e é distinta. Silente o legislador sobre a competência para o julgamento de habeas corpus, impõe-se a interpretação integrativa do texto legal. Se à Turma Recursal cabe o julgamento dos recursos criminais, por uma questão de paralelismo, de coerência e de hierarquia jurisdicional - para se evitarem julgamentos contraditórios - impõe-se reconhecer à Turma Recursal a competência para se julgarem eventuais habeas corpus. Esta a jurisprudência já pacificada do Superior Tribunal de Justiça, consoante acórdãos adiante colacionados:"HABEAS-CORPUS. LEI 9.099/1995. JUIZADOS CRIMINAIS. INCOMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA PARA CONHECER E JULGAR. 1. A competência para apreciar habeas-corpus impetrado contra decisão dos Juizados Especiais Criminais e das Turmas de Recursos destes Juizados, haja vista a letra do art. 82, da Lei 9.099/1995, cuja inteligência foi ministrada pelo STF no HC 71.713-6/PB. 2. Ordem denegada." (HC 5267/PB, 6ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 09/06/1997, p. 25567)"RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUSCITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ACOLHIMENTO. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. TurmaS RECURSAIS. PROVIMENTO. 1. Compete às Turmas Recursais processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de magistrado de primeiro grau que oficia em Juizado Especial. 2. 'Na determinação da competência dos Tribunais pra conhecer 'habeas corpus' contra coação imputada a órgãos do Poder Judiciário, quando silente a Constituição, o critério decisivo não é o da superposição administrativa ou o da competência penal originária para julgar o magistrado coator ou integrante do colegiado respectivo, mas sim o da hierarquia jurisdicional. (cf. HC 71.524, questão de ordem, Plen., 10.2.94, Moreira Alves)' (HC 71.713/PB, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, in DJ 23/3/2001). 3. Recurso provido para anular o julgamento proferido pelo Tribunal Estadual, determinando a remessa dos autos à Turma Recursal do Juizado Especial a quem, de direito,cumpre examinar o writ." (RHC 11368/TO, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 18/02/2002, p. 498)"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS JULGADO POR Turma de RECURSOS DE JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. INCOMPETÊNCIA DO STJ. 1. O critério decisivo, no silêncio da Constituição quanto à competência dos Tribunais para conhecer de habeas-corpus contra coação imputada a órgãos do Poder Judiciário, é o da hierarquia jurisdicional (STF, Pleno, HC 71.713/PB, rel. em. Ministro Sepúlveda Pertence). 2. O Superior Tribunal de Justiça, por não exercer jurisdição sobre os Juizados Especiais, não detém competência para o julgamento se habeas corpus ou de recurso ordinário em habeas corpus denegado por Turma Recursal dos Juizados Especiais. 3. Recurso ordinário não conhecido." (RHC 12429/RS, 4ª T., Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ de 24/06/2002, p. 307) Na mesma linha o entendimento da Turma Recursal do Mato Grosso, no julgamento do habeas corpus 70192, Relator o Juiz Federal Jefferson Schneider (DJMT 24.09.2002) Tenho, pois, por competente esta Turma Recursal para apreciar o presente writ. No mérito, sustentam os impetrantes as seguintes teses:a. A Justiça Federal (Juizado Especial) não seria competente para processar o presente feito; b. O julgamento definitivo da ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal do Trabalho, na instância trabalhista, constituiria questão prejudicial relativamente à ação penal, sendo, por isto precipitada à propositura da ação; c. A denúncia seria inepta, por deixar de descrever, relativamente à paciente, a conduta tida por criminosa; d. Inexistiria justa causa para a presente ação, haja vista a ausência de indícios da prática de crime pela paciente. Passo à análise de cada um dos argumentos alinhavados pelos impetrantes. É fato que os crimes contra a organização do trabalho só competem à Justiça Federal, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF, Pleno, RTJ 94/1227; RTJ 115/1126; RTJ 90/24) ao ofender órgãos e institutos que preservam coletivamente os direitos do trabalho, e não os crimes que são cometidos contra determinados trabalhadores . No caso, o que se cogita é de violação a direitos trabalhistas de uma coletividade de trabalhadores - os cooperados da COOPSERVIÇO e não de trabalhadores individualmente considerados. Assim, a competência é da Justiça Federal, mais especificamente, do Juizado Especial Federal, em vista da pena prevista no tipo descrito no artigo 203 do CPB. Não existe, outrossim, a obrigatoriedade de se aguardar o julgamento definitivo da ação civil pública, movida perante a Justiça Trabalhista, para que se inicie a ação penal. A lei processual penal - arts. 92 a 94 do CPP - não autoriza tal entendimento. De fato, apenas a controvérsia séria e fundada a respeito do estado civil das pessoas constitui-se em questão prejudicial obrigatória. Decisões de outra natureza, de competência do juízo cível (e também, por analogia, do juízo trabalhista) podem ou não, tratando-se de faculdade do juiz, determinar o sobrestamento do feito, de ofício ou a requerimento das partes, face ao disposto no art. 93 do CPP. O juiz criminal pode, incidentalmente, decidir a questão prejudicial, sem reflexo no âmbito extrapenal. O argumento, todavia, de ofensa ao direito de defesa, em face da inépcia da denúncia, está a merecer acolhimento. De fato, consoante proclama o art. 648, inciso VI do CPP, é de se considerar ilegal a coação, quando manifestamente nulo o processo. No caso, a denúncia, relativamente à paciente é claramente inepta. Com efeito, a peça acusatória foi formulada nos seguintes termos: "O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República que esta subscreve, vem, muito respeitosamente, perante Vossa Excelência, nos autos do Procedimento Administrativo Criminal acima epigrafado, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, oferecer DENÚNCIA em face de SOELSON BARBOSA ARAÚJO, brasileiro, casado, Consultor, Portador da Carteira de Identidade nº M-2.248.025, CPF nº 326.943.186-49, Apto. 202, bairro Dona Clara, CEP 31260-270, Belo Horizonte/MG, pela prática do seguinte FATO DELITUOSO:1. O acusado SOELSON BARBOSA ARAÚJO, na condição de administrador da COOPSERVIÇO - COOPERATIVA DOS PROFISSIONAIS de SERVIÇOS MÚLTIPLOS, frustou direitos trabalhistas no período de 13 de maio de 1997, data da constituição da Cooperativa (fls. 364 v. 3), até, no mínimo, o dia 19 de dezembro de 2001, data de propositura da Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho, especialmente durante o curso dos contrato de prestação de serviços com a Caixa Econômica Federal e a empresa Montreal Informática Ltda., atuando fraudulentamente, intermediando, ilicitamente mão-de-obra, fora dos parâmetros legais (Leis 5.764, de 16.12.1971)2. Com efeito, todos os pseudo-cooperados ouvidos, no curso das investigações, foram unânimes em declarar que não conheciam nenhum diretor da cooperativa, não conheciam seus direitos como cooperados, que não gozavam dos seus direitos trabalhistas, que nunca participaram das reuniões das assembléias da cooperativa, que nunca receberam nenhuma prestação de contas da cooperativa a respeito dos lucros, que nunca receberam sobras ou pagaram prejuízos e que não receberam 13º (décimo terceiro) salário (fls. 139/150).3. As constatações supra descritas foram feitas no curso de inquérito civil público, tendo sido apuradas através da oitiva de diversos cooperados, da análise do contrato de prestação de serviço da COOPERSEVIÇO, do seu estatuto, regimento interno, ata de constituição da "cooperativa", atas das assembléias ordinárias e extraordinárias, cadastro dos cooperados e propostas de admissão além do relatório do Ministério do Trabalho e do Emprego, respectivamente às folhas 139/150, 275, 332/351, 352/366, 439/476, 603/605, 606/609, 610/633, 739, 765, 154, 592/602 e 919/942.4. Não restam dúvidas, portanto, de que o acusado praticou a conduta prevista no artigo 203 do Código PenalPátrio.ANTE O EXPOSTO, requer o Ministério Público Federal seja a presente Denúncia recebida, instaurando-se a Ação Penal, bem como citando-se o acusado para comparecer a interrogatório e responder ao processo em todos os seus termos, sob pena de revelia, até julgamento final." (fls. 23-25) Em audiência preliminar, realizada perante o Juizado Especial Federal Criminal, após frustrada a transação e dada a palavra ao MPF, foi dito pelo membro do parquet: "O MPF, tendo em vista a não aceitação da proposta de transação penal nesta oportunidade, vem perante este Juízo ratificar a denúncia constante de fls. 01b a 01e para incluir o nome dos ora denunciados Rômulo Formigli Alves, Gumercindo Gonzaga de Léllis e Regina Leal Jamil, nos fatos ali narrados, requerendo prosseguimento do feito em relação aos mesmos, conforme as regras legais, bem como, ao final, à condenação nos termos da denúncia referida" A denúncia foi recebida pela autoridade impetrada, após a resposta da defesa, entendendo-a formalmente válida, assim justificando: "A reiterada jurisprudência pátria repele a necessidade de que a denúncia se apresente como peça longa, extensiva e sem a devida objetividade para exame das circunstâncias que são consideradas elementares para reconhecimento da infração que é imputada. O réu defende-se dos fatos narrados e terá no curso da instrução toda a oportunidade de demonstrar a inexistência do vínculo ou do nexo causal em relação a conduta que lhe é imputada. Isto implica em afirmar que a denúncia não precisa necessariamente em ser peça que contenha todas as questões controvertidas da lidepenal, bastando que, para ser aceita, descreva o fato, identifique o seu autor e demonstre o nexo de causalidade entre ambos, podendo se afirmar que, no caso presente, tal circunstância restou satisfatoriamente atendida."(fls. 36-37) Não obstante, não vislumbro o atendimento aos ditames do artigo 41 do Código de Processo Penal, que assim prescreve:"A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas." Na espécie, não contém a denúncia a exposição do fato criminoso, nem de suas circunstâncias, relativamente aos denunciados Rômulo Formigli Alves, Gumercindo Gonzaga de Léllis e Regina Leal Jamil, esta última, curiosamente, transposta da condição de testemunha, na peça acusatória escrita, para a de acusada, com a sua "ratificação" (ou retificação?) oral. De fato, nenhuma conduta se imputou aos nominados acusados, em relação aos quais foi pedida apenas sua "inclusão" "nos fatos narrados na denúncia". Mas que fatos seriam estes, de vez que a denúncia escrita reporta-se exclusivamente à conduta de SOELSON BARBOSA ARAÚJO? Em outras palavras, de que, exatamente estariam sendo acusados os citados réus? A denúncia, com sua retificação oral, revela-se uma peça kafkaniana, inibindo ou prejudicando o exercício do direito de defesa, ante à indigência - senão absoluta ausência - da narrativa de fatos imputados aos denunciados e de suas circunstâncias. Para JOÃO MENDES JR, a peça acusatória deve indicar não só a ação transitiva como a pessoa que a pratica (quis), os meios empregados (quibus auxiliis), o malefício produzido (quid), os motivos que a determinaram a isso (cur),a maneira que a praticou (quamodo), o lugar onde a praticou (ubi) e o tempo (quando) . Na linha do entendimento manifestado por DEMERCIAN E MALULY , as circunstâncias a que alude o art. 41 são aquelas "penalmente típicas e que permitam levar ao acusado de forma clara a ciência da conduta delitiva que lhe está sendo irrogada". Como já tive ocasião de observar, a propósito, em obra sobre o tema, todavia, não basta, é evidente, que o acusador apenas repita as palavras da lei. É necessário que particularize a condutas dos acusados, que a descreva de modo suficiente a possibilitar o exercício efetivo do direito de defesa. A acusação vaga, nebulosa ou imprecisa não merece guarida e a ação iniciada nestes termos - ausente os fatos criminosos - é inepta e nula, por lhe faltar causa petendi, podendo tal nulidade vir a ser reconhecida em habeas corpus . Ademais, uma acusação formulada nestes termos viola a garantia do devido processo legal e o direito à ampla defesa, consagrados na Constituição - art. 5o , incs. LIV e LV e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o denominado "Pacto de São José da Costa Rica" , pois ninguém pode se defender sem a plena ciência da imputação que lhe é feita. No caso em exame a acusação não descreve, minimamente, as circunstâncias elementares do crime. Se a denúncia formulada em relação ao acusado SOELSON BARBOSA ARAÚJO já não é muito minuciosa, relativamente aos demais acusados seria pouco falar-se em denúncia "genérica". Se aos acusados imputa-se a prática do crime previsto no artigo 203 do Código Penal, não se menciona de que forma ou por que meios ou de que maneira teriam frustrado direitos trabalhistas, ou que fraude teriam empregado, ou que artifício ou ardil teriam se valido para perpetrá-la, ou o motivo ou finalidade de assim procederem. Ou, se são partícipes do crime e não autores, de que maneira teriam concorrido para a fraude realizada por outrem. Apenas e simplesmente são "incluídos" na denúncia. No parecer exarado nestes autos, manifesta o Ministério Público, que haveria "conluio" entre os gestores da COOPSERVIÇO e o representante da CEF, a ora paciente, apenas pelo fato de esta ter sido a responsável por aprovar o julgamento do pregão, mediante o qual saiu-se vencedora a COOPSERVIÇO e por assinar o respectivo contrato de prestação de serviços. É muito pouco, "data venia", para se afirmar a existência de "conluio" e mesmo este pouco - que não justifica a ação penal - foi mencionado na denúncia. É pouco, repita-se, porque consoante demonstraram longamente os impetrantes, trazendo à baila sentenças judiciais, excertos doutrinários e julgados do Tribunal de Contas da União, não se poderia excluir, em princípio, as Cooperativas de Serviço de procedimentos licitatórios. Seria, aliás, ilegal, pois ofensivo aos princípios que regem a licitação, afastar a Cooperativa em questão do certame, licitatório, sem fundada razão de direito. E o MPF, "data venia", não indicou qualquer razão juridicamente relevante para que a paciente deixasse de aprovar o julgamento do pregão, ou de assinar o contrato com a vencedora da licitação. Portanto, não se poderia exigir, ao menos em princípio, da paciente, outra conduta senão aquela adotada pela mesma. "Conluio" haveria se a paciente houvesse incentivado a formação de uma cooperativa fraudulenta, irregular, com o fito de prejudicar e fraudar os trabalhadores. Mas não é isto o que consta da denúncia. Fez bem o Ministério Público do Trabalho em investigar as cooperativas de trabalho, em verificar sua real natureza e em zelar pela observância das normas de proteção ao trabalho. Mas não se pode dizer, relativamente à paciente, que esta teria também o mesmo dever do Ministério Público. Não é esta sua função, nem poderia proceder à mesma investigação, no momento de admitir na licitação ou contratar a Cooperativa - só podendo exigir as qualificações que a lei e o edital prevêem. De resto, cumpre destacar que, inobstante uma certa tolerância da jurisprudência, manifesta em alguns julgados, relativamente à acusação "genérica" em crimes societários, esta tem merecido, com freqüência, a repulsa de não menos respeitável e corrente jurisprudencial, consoante se verificam dos seguintes julgados, das mais diversas Cortes, inclusive do Supremo Tribunal Federal:"Recurso de Habeas Corpus - Denúncia - Requisitos - Concurso de Agentes - Princípio da personalidade. A denúncia deve descrever os elementos constitutivos do crime e suas circunstâncias. Importante é a narração do fato. A capitulação normativa é inócua. A imputação, além disso, precisa individualizar a conduta de cada autor. A regra é válida também para o caso de concurso de agentes. Decorrência da imprescindibilidade dos princípios do contraditório e defesa plena. O aditamento à denúncia não supre, no Estado de Direito Democrático, a deficiência da acusação. A Constituição da República consagra o princípio da personalidade. Rejeita, pois, a responsabilidade pelo fato de outrem." (STJ, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 5/8/91, s. I, p. 10.014)"Ementa: Habeas Corpus - Crime Societário - Sonegação Fiscal - Inépcia da Denúncia - Trancamento da ação penal. - Inepta é a denúncia que não expõe o fato tido como criminoso, em todas as suas circunstâncias, apresentando-se de forma sumária, em caráter genérico, e em desacordo com o art. 41 do Código de Processo Penal. - Inadmissível a inclusão do nome do paciente na peça acusatória, apenas por ser sócio acionista da empresa. - Em se tratando de autoria coletiva, é indispensável que descreva, ainda que resumidamente, a conduta delituosa de cada participante de modo a possibilitar o exercício do contraditório e da ampla defesa. Todavia, a referida atenuação ao rigorismo do art. 41 do Código de Processo Penal não significa que a peça inicial acusatória instauradora da ação penal,fique dispensada de demonstrar a existência de nexo de causalidade entre o resultado danoso e a participação dos agentes na prática do ato ou da omissão, ou de qualquer elemento indiciário de culpabilidade. - Ordem concedida." (Habeas Corpus n. 4805-MA, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJ 18/11/96. STJ, 5ª T., Revista do Superior Tribunal de Justiça, a. 9, 335/339)"Ementa (trecho) II - Tratando-se de denúncia referente a crime de autoria coletiva, é indispensável que descreva ela, ainda que sucintamente, sob pena de inépcia, os fatos típicos atribuídos a cada paciente. III - Revela-se inepta a denúncia, sempre que, sem especificar a participação de cada acusado - sendo todos eles diretores ou administradores da mesma empresa ou sociedade - vem atribuir-lhes, genericamente, a responsabilidade pelo evento delituoso." (Habeas Corpus n. 4995-RJ [96.0050845-3], STJ, 6ª T., Rel. Min. Anselmo Santiago, DJU 17/3/97, LEX - Jurisprudência do STJ e TRFs 96/279)"Habeas Corpus - Constrangimento ilegal - Inépcia formal da denúncia - Crime societário. 1. A denúncia inaugura a açãopenal. Traça o objeto do processo, sobre o qual incidirá a sentença penal. O cerne da denúncia reside nos fatos que a embasam. São eles a causa petendi da ação penal, traduzindo o elemento causal do pedido condenatório. Daí por que deve ela fixar com exatidão a conduta do acusado, de maneira precisa, certa e bem individuada, de modo a permitir que o réu se defenda da acusação que se lhe faz. 2. Conquanto a jurisprudência vem admitindo, nos crimes de autoria coletiva, que a denúncia faça narrativa genérica do fato, sem especificação detalhada da conduta do réu, não se pode admitir que a peça acusatória não descreva, pelo menos de forma concisa, a participação de cada um no evento delituoso. 3. A denúncia que não descreve os fatos delituosos de modo a proporcionar ao réu a preparação de sua defesa, é inepta formalmente. 4. Habeas Corpus concedido." (TRF - 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus n. 12.1868-4-MT, Rel. Juiz Nelson Gomes da Silva, decisão de 12/9/94, DJ 6/10/94, p. 56.071)"Processo penal - Habeas Corpus - Inépcia de denúncia - Trancamento da açãopenal. 1. A denúncia deve obedecer aos ditames do art. 41, do Código de Processo Penal, expondo o fato criminoso com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. 2. Em crime societário, ao menos é indispensável que na denúncia se especifique como cada um concorreu para o resultado. Denúncia genérica há de ser considerada inepta. 3. Ordem concedida." (TRF - 5ª Região, 2ª Turma. Habeas Corpus n. 500650-4/PE, Relator Juiz Petrúcio Ferreira, dec. De 12/11/96, DJ 18/7/97)"Lei das S/A e responsabilidade penal objetiva. Falta de inquérito. Denúncia genérica. 'A lei das S/A (Lei nº 6.404/76) em relação aos atos ilícitos adota o princípio da responsabilidade individual (pessoal, subjetiva). Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo de cada sócio ou gerente ao ato ilícito que lhe está sendo imputado.' (HC nº 79.399-1/SP, 2ª Turma, rel. min. Nelson Jobim, j. 26.10.99, v.m., DJU 01.06.01, p. 77)" "Sonegação fiscal. Responsabilidade penal objetiva. Princípio nullum crimen sine culpa. Trancamento da ação penal. 'Desprovida de vontade real, nos casos de crimes em que figure como sujeito ativo da conduta típica, a responsabilidade penal somente pode ser atribuída ao homem, pessoa física, que, como órgão da pessoa jurídica, a presentifique na ação qualificada como criminosa ou concorra para a sua prática. Em sendo fundamento para a determinação ou a definição dos destinatários da acusação, não a prova da prática ou da participação da ou na ação criminosa, mas apenas a posição dos pacientes na pessoa jurídica, faz-se definitiva a ofensa ao estatuto da validade da denúncia (Código de Processo Penal, artigo 41), consistente na ausência da obrigatória descrição da conduta de autor ou de partícipe dos imputados. Denúncia inepta, à luz dos seus próprios fundamentos. Habeas Corpus concedido para trancamento da ação penal.' (HC nº 15.051/SP, 6ª Turma, rel. min. Hamilton Carvalhido, j. 06.03.01, v.u., DJU 13.08.01, p. 287)" Verifico, em síntese, manifesta nulidade da peça acusatória, em vista de sua inépcia, relativamente aos acusados REGINA LEAL JAMIL, RÔMULO FORMIGLI ALVES e GUMERCINDO GONZAGA de LÉLLIS. Quanto à inexistência de justa causa, face à ausência de provas, conquanto, em princípio e à vista dos elementos disponíveis nestes autos de habeas corpus, afigurem-me frágeis os indícios de prática delituosa, é de se ter em vista que a própria indigência da narrativa constante da denúncia não permite, de pronto, chegar-se a uma conclusão sobre este aspecto. É que, não se narrando qual seria, exatamente, a conduta delituosa, não se tem como se aferir se há ou não indícios de sua prática. Isto posto, com fulcro no disposto no artigo 648, VI do CPP, concedo o habeas corpus em favor de REGINA LEAL JAMIL e, pelo mesmo fundamento, observado ainda o disposto no artigo 654, parágrafo 2o do Estatuto Processual Penal, concedo, igualmente, de ofício, a ordem em favor de RÔMULO FORMIGLI ALVES E GUMERCINDO GONZAGA de LÉLLIS, determinando o trancamento da indigitada ação penal que lhes move o Ministério Público Federal. É como voto. |
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