Plenário
Defensoria pública estadual e
subordinação
Por reputar caracterizada afronta ao disposto no § 2º do art.
134 da CF, incluído pela EC 45/2004, o Plenário julgou procedente pedido
formulado em ação direta, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para
declarar a inconstitucionalidade da alínea h do inciso I do art. 26 da
Lei Delegada 112/2007 e da expressão “e a Defensoria Pública” constante
do art. 10 da Lei Delegada 117/2007, ambas do Estado de Minas Gerais [LD
112/2007: “Art. 26. Integram a Administração Direta do Poder Executivo do
Estado, os seguintes órgãos autônomos: I - subordinados diretamente ao
Governador do Estado: ... h) Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais”;
LD 117/2007: “Art. 10. A
Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros Militar e a Defensoria
Pública do Estado de Minas Gerais subordinam-se ao Governador do Estado,
integrando, para fins operacionais, a Secretaria de Estado de Defesa Social”].
Observou-se que, conquanto a Constituição garantisse a autonomia, os preceitos
questionados estabeleceriam subordinação da defensoria pública estadual ao
Governador daquele ente federado, sendo, portanto, inconstitucionais.
ADI
3965/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 7.3.2012. (ADI-3965)
Defensoria pública estadual e
equiparação
O Plenário julgou procedente pleito manifestado em ação direta,
proposta pelo Procurador-Geral da República, para declarar a
inconstitucionalidade: i) do inciso VII do art. 7º; ii) do termo “Defensor
Geral do Estado” constante do caput e do parágrafo único do art. 16;
e iii) do excerto “Defensoria Pública do Estado” contido no § 1º do art.
17, todos da Lei 8.559/2006, do Estado do Maranhão (“Art. 7º Integram a
Administração Direta: ... VII - Defensoria Pública do Estado - DPE; ... Art.
16. O Poder Executivo, exercido pelo Governador do Estado, é auxiliado pelo
Secretário Chefe da Casa Civil, Procurador Geral do Estado, Defensor Geral do
Estado, Auditor Geral do Estado, Presidente da Comissão Central de Licitação,
Corregedor Geral do Estado, Secretários de Estado, inclusive os Extraordinários
e os cargos equivalentes. Parágrafo único. O Secretário Chefe da Casa Civil, o
Procurador Geral do Estado, o Defensor Geral do Estado, o Corregedor Geral do
Estado, o Auditor Geral do Estado, o Presidente da Comissão Central de Licitação,
o Chefe da Assessoria de Comunicação Social, o Chefe da Assessoria de Programas
Especiais, o Secretário Chefe do Gabinete Militar e os Secretários de Estado
Extraordinários são do mesmo nível hierárquico e gozam das mesmas prerrogativas
e vencimentos de Secretário de Estado; ... Art. 17º ... § 1º Integram, ainda, a
Governadoria, a Controladoria Geral do Estado, a Corregedoria Geral do Estado,
a Comissão Central de Licitação e a Defensoria Pública do Estado”).
Prevaleceu o voto do Min. Ricardo Lewandowski, relator, que os reputou
inconstitucionais, porquanto a autonomia funcional, administrativa e financeira
da defensoria pública estaria consignada na própria Constituição (CF, art. 134,
§ 2º). Acentuou que, tendo em conta a sistemática constitucional referente aos
ministros de Estado, os secretários estaduais também seriam demissíveis ad
nutum. Por conseguinte, o defensor público-geral perderia autonomia à
medida que fosse equiparado a secretário de Estado-membro. Avaliou ter havido,
na espécie, intenção de se subordinar a defensoria ao comando do governador.
Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes ressalvou que o fato de se outorgar status
de secretário a defensor geral não seria, por si só, base constitutiva para
declaração de inconstitucionalidade. Precedente citado: ADI 2903/PB (DJe de
19.9.2008).
ADI 4056/MA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.3.2012.
(ADI-3965)
Lei de Diretrizes Orçamentárias e
caráter vinculante - 1
O Plenário iniciou julgamento de referendo em medida cautelar
em ação direta de inconstitucionalidade proposta, pelo Governador do Estado de
Rondônia, contra os artigos 3º, XIII e XVII; 12, §§ 1º ao 4º; 15, caput;
e 22, caput e parágrafo único, da Lei 2.507/2011, daquele ente da
federação, objetos de emenda ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias -
LDO estadual. O Min. Luiz Fux, relator, propôs o deferimento parcial da medida
liminar para suspender a eficácia dos artigos 3º, XVII, e 22, parágrafo único,
ambos do aludido diploma. Inicialmente, assentou que a LDO seria passível de
controle abstrato de constitucionalidade, bem como que o sistema orçamentário
inaugurado pela CF/88 estabeleceria o convívio harmonioso do plano plurianual,
da LDO e da lei orçamentária anual. Nesse contexto, a função constitucional da
LDO consistiria precipuamente em orientar a elaboração da lei orçamentária
anual, a compreender as metas e prioridades da Administração, assim
consideradas as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, as
alterações na legislação tributária, entre outras. Aduziu que a separação de
poderes estaria incólume à luz do art. 3º, XIII, da LDO em comento (“XIII -
Garantir um Poder Legislativo forte e integrado com a sociedade que representa,
com foco no exercício da cidadania através da conscientização do Povo de
Rondônia”), porquanto preceito de conteúdo exclusivamente retórico, a
ressaltar a centralidade do Poder Legislativo na moderna democracia
representativa.
ADI 4663 Referendo-MC/RO, rel. Min. Luiz Fux, 7.3.2012.
(ADI-4663)
Lei de Diretrizes Orçamentárias e
caráter vinculante - 2
Por outro lado, verificou que a norma inscrita no art. 3º,
XVII, da LDO estadual (“Garantir a aplicação dos recursos das emendas
parlamentares ao orçamento estadual, das quais, os seus objetivos passam a
integrar as metas e prioridades estabelecidas nesta Lei”) violaria a
Constituição ao conferir status de “metas e prioridades” da
Administração a toda e qualquer emenda parlamentar apresentada à lei
orçamentária anual, com o fito garantir a aplicação dos respectivos recursos.
Anotou haver inversão, visto que a iniciativa seria do Poder Executivo.
Registrou que a teleologia subjacente ao plano plurianual e à LDO estaria
frustrada, com a chancela de uma espécie de renúncia de planejamento, em prol
do regime de preferência absoluta das decisões do Legislativo. Frisou que as
normas orçamentárias ostentariam a denominada força vinculante mínima, a
ensejar a imposição de um dever prima facie de acatamento, ressalvada
motivação administrativa que justificasse o descumprimento com amparo na
razoabilidade, fossem essas normas emanadas da proposta do Poder Executivo,
fossem fruto de emenda apresentada pelo Legislativo. Assim, a atribuição de
regime formal privilegiado exclusivamente às normas oriundas de emendas
parlamentares violaria a harmonia entre os poderes políticos. No ponto,
concluiu que, para não se cumprir o orçamento, impenderia um mínimo de
fundamentação para o abandono da proposta orçamentária votada.
ADI 4663 Referendo-MC/RO, rel. Min. Luiz Fux, 7.3.2012.
(ADI-4663)
Lei de Diretrizes Orçamentárias e
caráter vinculante - 3
No tocante ao art. 12 da LDO estadual, que dispõe sobre a
elaboração, por parte dos poderes políticos, de propostas orçamentárias para o
exercício financeiro de 2012, asseverou não haver ofensa à razoabilidade ou à
separação de poderes, na medida em que inexistente risco real de engessamento
do Executivo. Ademais, o regime de limitação de empenho, previsto no art. 9º da
Lei de Responsabilidade Fiscal, por representar ônus igualmente imposto aos
poderes — autônomos e independentes — legitimaria a repartição do bônus por
sistemática proporcional. Consignou que a autorização legislativa para a
repartição proporcional do montante apurado em excesso de arrecadação não
violaria a separação de poderes, visto que em harmonia com o tratamento
conferido pela Lei 4.320/64, que regula a elaboração do orçamento e o define
como hipótese que enseja a abertura de crédito suplementar especial, para o
qual se faria imprescindível a autorização legislativa específica, nos termos
do art. 167, V, da CF. Asseverou que o regime formal das emendas parlamentares
à LDO não se sujeitaria à disciplina restritiva do art. 63, I, da CF, por força
da expressa ressalva constante da parte final do dispositivo, de modo que seria
lícito o aumento de despesa, não obstante tratar-se de projeto de lei de
iniciativa do Chefe do Executivo. Ademais, as emendas à LDO sequer seriam
aplicáveis às disposições constitucionais a respeito das emendas à lei
orçamentária anual, prevista no art. 166, § 3º, da CF, consoante interpretação
literal e sistemática das normas que compõem o art. 166 da CF, de modo que não
caberia falar em inconstitucionalidade formal da emenda apresentada ao art. 15
da LDO (“É vedada a inclusão, na lei orçamentária e em seus créditos
adicionais, de dotações a título de subvenções sociais, ressalvadas aquelas
destinadas à cobertura de despesas a entidades privadas sem fins lucrativos, de
atividades de natureza continuada, que preencham uma das seguintes condições:”).
ADI 4663 Referendo-MC/RO, rel. Min. Luiz Fux, 7.3.2012.
(ADI-4663)
Lei de Diretrizes Orçamentárias e
caráter vinculante - 4
Acresceu que o controle, em ação direta, de eventual
incompatibilidade entre as disposições da LDO e o conteúdo do plano plurianual
seria juridicamente impossível, pois fundado em argumentação que extravasaria
os limites do parâmetro estritamente constitucional de validade das leis.
Afirmou que o art. 22, parágrafo único, da LDO (“ Nos termos do caput do
artigo 136-A da Constituição Estadual, no exercício de 2012 serão de execução
obrigatória as emendas aprovadas pelo Poder Legislativo de que trata este
artigo”), ao conceder regime de obrigatória execução somente às emendas
parlamentares do orçamento, padeceria dos idênticos vícios que conduziriam à
declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, XVII, da mesma lei, haja vista
que a força vinculante prima facie das normas orçamentárias não
toleraria a concessão de regime formalmente distinto exclusivamente às emendas
parlamentares, em manifesto descompasso com a separação de poderes. O Min.
Marco Aurélio, por sua vez, referendou a decisão, mas deu interpretação
conforme aos preceitos impugnados e assentou que todo o orçamento teria força
vinculativa, ao menos mínima. Aduziu que, quanto às emendas parlamentares, sob
o receio da generalização do caráter autorizativo do orçamento, previra-se
vinculação. Ocorre que houvera a presunção de desnecessidade de alerta ao
Executivo quanto à vinculação, pois ele a observaria. Assim, se o Executivo
deixasse de aplicar — em determinada política pública específica prevista no
orçamento — certo valor, ele teria de motivá-lo. Sublinhou recear que o STF, ao
emprestar vinculação no que se refere às emendas legislativas, mas não quanto
ao que encaminhado pelo Executivo, endossaria a natureza simplesmente
autorizativa do orçamento. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
ADI 4663 Referendo-MC/RO, rel. Min. Luiz Fux, 7.3.2012.
(ADI-4663)
Parecer prévio por comissão mista e
tramitação de novas medidas provisórias - 1
A emissão de parecer, relativamente a medidas provisórias, por
comissão mista de deputados e senadores antes do exame, em sessão separada,
pelo plenário de cada uma das casas do Congresso Nacional (CF, art. 62, § 9º)
configura fase de observância obrigatória no processo constitucional de conversão
dessa espécie normativa em lei ordinária. Com base nesse entendimento e tendo
em conta razões de segurança jurídica para a manutenção dos diplomas legais já
editados com esse vício de tramitação, o Tribunal acolheu questão de ordem,
suscitada pelo Advogado-Geral da União, para alterar o dispositivo do acórdão
da presente ação direta apreciada em assentada anterior. Ato contínuo, em
votação majoritária, julgou improcedente o pleito formulado, mas declarou,
incidentalmente, com eficácia ex nunc, a inconstitucionalidade dos
artigos 5º, caput, e 6º, §§ 1º e 2º, da Resolução 1/2002, do Congresso
Nacional [“Art. 5º A Comissão terá o prazo improrrogável de 14 (quatorze)
dias, contado da publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União
para emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados,
quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de
relevância e urgência, de mérito, de adequação financeira e orçamentária e
sobre o cumprimento da exigência prevista no § 1º do art. 2º. ... Art. 6º A
Câmara dos Deputados fará publicar em avulsos e no Diário da Câmara dos
Deputados o parecer da Comissão Mista e, a seguir, dispensado o interstício de
publicação, a Medida Provisória será examinada por aquela Casa, que, para
concluir os seus trabalhos, terá até o 28º (vigésimo oitavo) dia de vigência da
Medida Provisória, contado da sua publicação no Diário Oficial da União. § 1º
Esgotado o prazo previsto no caput do art. 5º, o processo será encaminhado à Câmara
dos Deputados, que passará a examinar a Medida Provisória. § 2º Na hipótese do
§ 1º, a Comissão Mista, se for o caso, proferirá, pelo Relator ou Relator
Revisor designados, o parecer no plenário da Câmara dos Deputados, podendo
estes, se necessário, solicitar para isso o prazo até a sessão ordinária
seguinte”].
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
Parecer prévio por comissão mista e
tramitação de novas medidas provisórias - 2
Tratava-se, no caso, de ação direta ajuizada, pela Associação
Nacional dos Servidores do Ibama - Asibama nacional, contra a Lei federal
11.516/2007 — originada da Medida Provisória 366/2007 —, que dispõe sobre a
criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio;
altera diversos diplomas legais; revoga dispositivos; e dá outras providências.
Em preliminar, assentou-se a legitimidade ativa ad causam da requerente
e destacou-se, no ponto, a importância da participação da sociedade civil
organizada em âmbito de controle abstrato de constitucionalidade, a
caracterizar pluralização do debate. Em seguida, reafirmou-se a sindicabilidade
jurisdicional, em hipóteses excepcionais, dos pressupostos constitucionais de
relevância e urgência necessários à edição de medidas provisórias. Asseverou-se
que essa fiscalização deveria ser feita com parcimônia, haja vista a presença,
consoante sublinhado pelo Min. Gilmar Mendes, de um elemento de política, a
demandar verificação pelo próprio Poder Executivo. O Min. Ayres Britto
salientou que um fato do mundo do ser, que legitimaria a edição da medida
provisória, consubstanciaria urgência e relevância tais que o autor da norma,
ao avaliar esse fato, não poderia aguardar o curso de um projeto de lei, mesmo
classificado como urgente. Aduziu que, na situação em comento, esses requisitos
estariam configurados, visto que, em matéria de meio ambiente, tenderia a
concluir que tudo seria urgente e relevante pela qualificação dada pela
Constituição.
ADI 4029/DF, rel.
Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
Parecer prévio por comissão mista e
tramitação de novas medidas provisórias - 3
A Min. Rosa Weber, por sua vez, não vislumbrou abuso na atuação
do Presidente da República. A Min. Cármen Lúcia advertiu sobre a
impossibilidade de substituição, na via judicial, do que designado como urgente
pelo Chefe do Executivo. Também considerou que a busca da maior eficiência e
eficácia na execução de ações de política nacional de unidades de conservação,
proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento dessas
enquadrar-se-ia na exigência constitucional. O Min. Ricardo Lewandowski
assinalou que o STF deveria averiguar, cum grano salis, os requisitos
legitimadores para a edição de medidas provisórias, porquanto diriam respeito à
vontade política de caráter discricionário dos atos de governo. Na mesma linha,
registrou que, no tocante ao meio ambiente, o tema seria sempre urgente. O Min.
Marco Aurélio, consignou, outrossim, que os conceitos em tela possuiriam
textura aberta e que, ante a degradação do meio ambiente, a disciplina de
qualquer instrumento, visando a minimizá-la, freá-la, mostrar-se-ia relevante e
urgente. O Min. Celso de Mello, de igual modo, ao enfatizar a exposição de
motivos da norma, afirmou o atendimento dos pressupostos. De outro lado, os
Ministros Luiz Fux, relator, e Cezar Peluso, Presidente, reputavam não atendido
o requisito da urgência, pois as atribuições conferidas à autarquia
recém-criada não teriam sido por ela imediatamente realizadas, mas sim pelo
Ibama.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
Parecer prévio por comissão mista e
tramitação de novas medidas provisórias - 4
No que se refere à alegação de ofensa ao art. 62, § 9º, da CF,
realçou-se que a comissão mista exigida pelo preceito fora constituída,
entretanto, não houvera quórum para a votação, motivo pelo qual seu relator,
nos termos da mencionada Resolução 1/2002, emitira parecer sobre a medida
provisória diretamente ao plenário. Ressurtiu-se que o descumprimento desse
dispositivo constitucional seria prática comum, a configurar, nos dizeres do
Min. Gilmar Mendes, direito costumeiro inconstitucional. A Min. Rosa Weber
ponderou que todo o regramento relativo às medidas provisórias, pela sua excepcionalidade,
mereceria interpretação restritiva. Nesse mesmo diapasão, votaram os Ministros
Ayres Britto e Cármen Lúcia, a qual aludiu que a espécie normativa em foco
seria utilizada como expediente para a inclusão de matérias a ela estranhas.
Acrescentou que, para a criação de autarquias, necessário lei específica, contudo,
a transgressão ao art. 62, § 9º, da CF seria bastante para a declaração de
inconstitucionalidade formal. O Min. Marco Aurélio dessumiu que o devido
processo legislativo seria essencial à valia do ato, cujo defeito na tramitação
contaminaria a lei de conversão.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012.
(ADI-4029)
Parecer prévio por comissão mista e
tramitação de novas medidas provisórias - 5
Nesse contexto, o Min. Celso de Mello reputou inexistir
possibilidade de substituição da vontade colegiada pela manifestação unipessoal
de relator, normalmente vinculado à maioria dominante no parlamento, para que
não houvesse o parecer da comissão mista. Mencionou que eventual obstrução por
parte da minoria faria parte do processo democrático na formulação de leis e
que a Constituição resolveria o impasse. Além disso, a competência do
Presidente da República para editar medidas provisórias não seria afetada, dado
que, diante da transitividade da norma, ela deixaria a esfera do Chefe do
Executivo e passaria a se submeter ao controle parlamentar. Alfim, o artigo
constitucional cuidaria de fase insuprimível do processo de conversão. O Min.
Ricardo Lewandowski, a seu turno, explicitou que as medidas provisórias seriam
instrumentos que o Poder Executivo teria, no mundo globalizado, para responder,
com rapidez, aos desafios que surgiriam cotidianamente, em especial, em tempos
de crise econômica. Ademais, observou que a resolução pretenderia evitar
manobras que impedissem o exame das medidas provisórias em tempo hábil com o
intuito de não perderem a eficácia, assim como envolveria matéria interna
corporis. Arrematou inexistir óbice à fixação de prazo para o
pronunciamento da comissão mista e acresceu que a interpretação restritiva
conferida subtrairia do Presidente da República mecanismo para interferir na
realidade social e econômica.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
Parecer prévio por comissão mista e
tramitação de novas medidas provisórias - 6
No que atine à não emissão de parecer pela comissão mista,
ressaiu-se que seria temerário admitir que as leis derivadas de conversão de
medida provisória em desrespeito ao disposto no art. 62, § 9º, da CF fossem
expurgadas, com efeitos retroativos, do ordenamento jurídico. Em consequência,
declarou-se a inconstitucionalidade da Lei 11.516/2007, sem pronúncia de
nulidade, pelo prazo de 24 meses, a fim de garantir a continuidade da
autarquia. Quanto à inconstitucionalidade material, o Min. Luiz Fux rechaçou a
assertiva de que a criação do ICMBio enfraqueceria a proteção ao meio ambiente.
Concluiu que não caberia a esta Corte discutir a implementação de políticas
públicas, seja por não dispor de conhecimento necessário para o sucesso de um
modelo de gestão ambiental, seja por não ser a sede idealizada pela Constituição
para o debate em torno do assunto. Em suma, ao levar em consideração os
fundamentos expostos, o Colegiado, por maioria, na assentada de 7.3.2012,
julgou parcialmente procedente o pedido requerido na ação direta, com modulação
da eficácia, contra os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski, que o reputava
improcedente, e Marco Aurélio, que o acolhia na íntegra.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
Parecer prévio por comissão mista e
tramitação de novas medidas provisórias - 7
Ocorre que, no dia seguinte, a Advocacia-Geral da União
formulara questão de ordem no sentido de que o Supremo estabelecesse prazo de
sorte a permitir que o Congresso Nacional adaptasse o processo legislativo de
tramitação das medidas provisórias à nova decisão, haja vista o elevado número
de medidas provisórias convertidas em lei. Acatou-se sugestão do relator segundo a qual
a orientação fixada pelo Tribunal deveria ser aplicada, de imediato, às novas
medidas provisórias, com ressalva das que já tramitaram e das que estariam em curso. Destacou-se
despicienda a outorga do lapso solicitado pela AGU, pois esta Corte teria
sinalizado, incidentalmente, a inconstitucionalidade dos preceitos da Resolução
1/2002, que autorizariam a atuação monocrática do relator da comissão mista. O
Presidente acenou que, doravante, a Casa Legislativa teria liberdade para
obedecer ao art. 62, § 9º, da CF, sem a observância daquele diploma, o qual não
mais vigeria. Diante disso, o Min. Gilmar Mendes propugnou pela mudança da
proclamação do resultado do julgamento, com a improcedência do pleito, uma vez
que se estaria assentando a inconstitucionalidade a partir de momento futuro. A
Min. Cármen Lúcia ressaltou que a solução proposta valeria para os Poderes
Judiciário e Legislativo e que, dessa forma, manter-se-ia o ICMBio sem a
necessidade da convalidação fixada na assentada anterior. Vencidos o Presidente
e o Min. Marco Aurélio, que julgavam procedente a pretensão pelos motivos
expostos.
ADI 4029/DF, rel. Min. Luiz Fux, 7 e 8.3.2012. (ADI-4029)
Primeira Turma
Cola de
sapateiro e crime militar
A 1ª Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus
no qual se pretendia trancar ação penal sob a alegação de que a Lei 11.343/2006
não classificaria a cola de sapateiro como entorpecente. No caso, o recorrente,
militar preso em flagrante no interior de estabelecimento sujeito à
administração castrense, fora surpreendido, sem apresentar capacidade de autodeterminação,
inalando substância que, conforme perícia, conteria tolueno, solvente orgânico
volátil, principal componente da cola de sapateiro. Reputou-se que deveria ser
observada a regência especial da matéria e, portanto, descaberia ter presente a
Lei 11.343/2006, no que preceituaria, em seus artigos 1º e 66, a necessidade de a
substância entorpecente estar especificada em lei. Incidiria ,
assim, o disposto no art. 290 do CPM (“Receber, preparar, produzir, vender,
fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer
consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer
forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou
psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar”).
RHC 98323/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 6.3.2012. (RHC-98323)
Laudo definitivo de exame toxicológico no crime de
tráfico de drogas
A 1ª Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus
no qual se pleiteava a nulidade da decisão que condenara o recorrente por
tráfico de drogas. Alegava-se que o laudo toxicológico definitivo teria sido
juntado após a sentença, quando da interposição de recurso pelo Ministério
Público. Assentou-se que, no caso, a apresentação tardia desse parecer técnico
não acarretaria a nulidade do feito, haja vista que demonstrada a materialidade
delitiva por outros meios probatórios. Asseverou-se, ademais, que a nulidade
decorrente da juntada extemporânea teria como pressuposto a comprovação de
prejuízo ao réu, para evitar-se condenação fundada em meros indícios, sem a
certeza da natureza da substância ilícita, o que não teria ocorrido na espécie.
RHC 110429/MG, rel. Min. Luiz
Fux, 6.3.2012. (RHC-110429)
Segunda Turma
Retratação e crime de calúnia
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que alegada
ausência de justa causa para a ação penal em virtude de retratação por parte do
acusado, nos termos do art. 143 do CP. Na espécie, o paciente fora denunciado
pela suposta prática do crime de calúnia (CP, art. 138), com a causa de aumento
de pena prevista no art. 141, II, do CP (“contra funcionário público, no
exercício das funções”), porquanto imputara a magistrado o delito de
advocacia administrativa ao deferir reiterados pedidos de dilação de prazo à
parte contrária. Salientou-se que a retratação seria aceitável nos crimes
contra a honra praticados em desfavor de servidor ou agentes públicos, pois a
lei penal preferiria que o ofensor desmentisse o fato calunioso ou difamatório
atribuído à vítima à sua condenação. Porém, reputou-se que, no caso, não
houvera a retratação, uma vez que o paciente apenas tentara justificar o seu
ato como reação, como rebeldia momentânea, ao mesmo tempo em que negara ter-se
referido ao juiz em particular.
HC 107206/RS, rel. Min.Gilmar Mendes, 6.3.2012.
(HC-107206)
Concurso público e teste de aptidão física
Em julgamento conjunto, a 2ª Turma denegou mandados de
segurança impetrados contra ato do Procurador-Geral da República, que eliminara
candidatos de concurso público destinado ao provimento de cargo de Técnico de
Apoio Especializado/Segurança, do quadro do Ministério Público da União - MPU.
Os impetrantes alegavam que foram impedidos de participar da 2ª fase do
certame, denominada “Teste de Aptidão Física”, porquanto teriam apresentado
atestados médicos genéricos, em desconformidade com o edital. Consignou-se que
o Edital 1/2010 determinaria que os laudos médicos apresentados por ocasião do
referido teste físico deveriam ser específicos para esse fim, bem como mencionar
expressamente que o candidato estivesse “apto” a realizar o exame daquele
concurso. Ademais, ressaltou-se a previsão de eliminação do certame dos que
deixassem de apresentar o aludido atestado ou o fizessem em descompasso com o
critério em
comento. Destacou-se que o edital seria a lei do concurso e
vincularia tanto a Administração Pública quanto os candidatos. Desse modo, não
se vislumbrou ilegalidade ou abuso de poder. Por derradeiro, cassou-se a
liminar anteriormente concedida no MS 29957/DF.
MS 29957/DF,
rel. Min. Gilmar Mendes, 6.3.2012. (MS-29957)
MS
30265/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.3.2012. (MS-30265)
Aquisição de imóvel funcional das
Forças Armadas e servidor civil - 1
A 2ª Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em mandado
de segurança no qual pretendida a aquisição de imóvel funcional das Forças
Armadas por servidor civil, nos termos da Lei 8.025/90 e do Decreto 99.664/90.
Na espécie, o STJ denegara o writ lá impetrado ao entendimento de que o
ora recorrente não ocuparia de forma regular o bem colimado, na medida em que
se aposentara antes da vigência das normas em questão. O Min.
Gilmar Mendes, relator, desproveu o recurso. De início, rememorou
jurisprudência da Corte no sentido de que a condição de aposentado não
retiraria do requerente o status de legítimo ocupante do imóvel se o
ocupasse regularmente, no momento de sua aposentadoria, nele residindo até a
promulgação da Lei 8.025/90. De outro lado, reputou que o bem em litígio não
poderia ser alienado. Isso porque administrado pelas Forças Armadas e destinado
à ocupação por militares [Lei 8.025/90: “Art. 1º É o Poder Executivo
autorizado a alienar, mediante concorrência pública e com observância do
Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, os imóveis residenciais de
propriedade da União situados no Distrito Federal, inclusive os vinculados ou
incorporados ao Fundo Rotativo Habitacional de Brasília (FRHB). ... § 2º Não se
incluem na autorização a que se refere este artigo, os seguintes imóveis: I -
os residenciais administrados pelas Forças Armadas, destinados à ocupação por
militares”].
RMS 23111/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.3.2012. (RMS-23111)
Aquisição de imóvel funcional das
Forças Armadas e servidor civil - 2
Ademais, observou que o precedente invocado nas razões
recursais (RMS 22.308/DF, DJU de 4.4.97) partiria da equivocada premissa de que
a expressão “destinados à ocupação por militares” deveria ser
interpretada como “efetivamente ocupados por militares”. No ponto,
explicitou que a limitação de alheamento desses imóveis residenciais imporia a
restrição sobre a coisa, e não sobre o militar. Assim, explicou que a permissão
de compra por civil constituiria interpretação deturpada da legislação.
Outrossim, salientou que o Decreto 99.664/90 proibiria a venda do imóvel a
qualquer pessoa, logo, o óbice não seria pessoal. Nesse contexto, asseverou que
a circunstância de o bem ser administrado pelas Forças Armadas evidenciaria sua
destinação precípua à ocupação por militar, de maneira que sua excepcional
ocupação por civil não o desnaturaria ou desafetaria. Após, pediu vista o Min.
Joaquim Barbosa.
RMS 23111/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.3.2012. (RMS-23111)
Sessões
Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 7.3.2012 8.3.2012 11
1ª Turma 6.3.2012 — 23
2ª Turma 6.3.2012 — 163
R e p e r c u s s ã o G e r a l
DJe
de 5 a 9
de março de 2012
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 612.707-SP
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
Ementa: I - CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. PRECATÓRIO.
NATUREZA ALIMENTAR. PREFERÊNCIA.
II - PRETERIÇÃO EM RELAÇÃO A PRECATÓRIO
NÃO ALIMENTAR. POSSÍVEL DISTINÇÃO DE REGIMES. VERIFICAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE
QUEBRA NA ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTOS COM EXPEDIÇÃO DE ORDEM DE SEQUESTRO
DE VERBAS PÚBLICAS.
III - EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO
GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 665.134-MG
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
Ementa: TRIBUTÁRIO. ICMS.
IMPORTAÇÃO. SUJEITO ATIVO. DESTINATÁRIO JURÍDICO. PROPRIEDADES.
IMPORTAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA.
ESTABELECIMENTO COMERCIAL VAREJISTA LOCALIZADO EM SP. DESEMBARAÇO ADUANEIRO
EM SÃO PAULO.
POSTERIOR REMESSA PARA ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL LOCALIZADO EM MG PARA INDUSTRIALIZAÇÃO.
RETORNO AO ESTABELECIMENTO PAULISTA.
ART. 155, §2º, IX, A DA
CONSTITUIÇÃO. PROPOSTA PELO RECONHECIMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA.
Tem repercussão geral a
discussão sobre qual é o sujeito ativo constitucional do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias, incidente sobre operação de importação de
matéria-prima que será industrializada por estabelecimento localizado no Estado
de Minas Gerais, mas, porém, é desembaraçada por estabelecimento sediado no
Estado de São Paulo e que é o destinatário do produto acabado, para posterior
comercialização.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 612.043-PR
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
AÇÃO COLETIVA – SUBSTITUIÇÃO
PROCESSUAL – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CARTA DE 1988 – ALCANCE TEMPORAL – DATA
DA FILIAÇÃO. Possui repercussão geral a controvérsia acerca do momento oportuno
de exigir-se a comprovação de filiação do substituído processual, para fins de
execução de sentença proferida em ação coletiva ajuizada por associação – se em
data anterior ou até a formalização do processo.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 635.659-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Constitucional. 2. Direito
Penal. 3. Constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006. 3. Violação do
artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. 6. Repercussão geral reconhecida.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 636.553-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Recurso extraordinário. 2.
Servidor público. Aposentadoria. 3. Anulação do ato pelo TCU. Discussão sobre a
incidência do prazo decadencial de 5 anos, previsto na Lei 9.784/99, para a
Administração anular seus atos, quando eivados de ilegalidade. Súmula 473 do
STF. Observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Repercussão
geral reconhecida.
Decisões Publicadas: 5
C l i p p i n g d o D
J
HC N. 105.676-RJ
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
Ementa: Habeas Corpus. Crime militar. Estelionato.
Princípio da Insignificância. Tese defensiva não submetida à apreciação das
instâncias inferiores. Supressão de instância. Restituição do objeto do delito
e ausência de prejuízo ao erário. Irrelevância. Ausência de previsão normativa.
Ordem denegada.
A tese relativa à incidência
do princípio da insignificância não foi submetida à apreciação do Superior
Tribunal Militar, instância em que a defesa sustentou a “atipicidade da
conduta por inexistir prejuízo patrimonial para a Marinha, tendo em vista
que o material vendido foi restituído”, não tecendo qualquer
consideração sobre a natureza bagatelar do delito em questão.
A lei penal militar somente
prevê a extinção da punibilidade em decorrência da reparação do dano no que
concerne ao crime de peculato culposo (§§ 3º e 4º do art. 303, CPM), hipótese
esta bem distinta do presente caso.
O delito imputado ao ora
paciente ofendeu o interesse estatal de zelar pela probidade, moralidade e
fidelidade do servidor público para com a Administração Pública e seu
patrimônio, pouco importando, no caso, a expressividade do valor pecuniário
recebido pela “venda” ilegal ou como “gratificação pelo bom negócio
oferecido”.
Habeas corpus denegado.
HC N. 111.148-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR.
PROCESSUAL PENAL MILITAR. CRIME DE ESTELIONATO PRATICADO CONTRA PATRIMÔNIO SOB
A ADMINISTRAÇÃO MILITAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE. MATÉRIA NÃO
EXAMINADA NO ACÓRDÃO ATACADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO.
I – A questão relativa à
incompetência da Justiça Militar para processar e julgar o paciente pelos fatos
narrados na peça acusatória não foi examinada pelo Superior Tribunal Militar,
sendo certo que o tema sequer foi suscitado pela defesa como preliminar de
apelação.
II – Esse fato impede que esta
Corte aprecie a matéria, sob pena de incorrer-se em indevida supressão de
instância, com evidente extravasamento dos limites da competência outorgada no
art. 102 da Constituição Federal.
III – Habeas corpus não
conhecido.
HC N.
104.405-MG
RELATOR:
MIN. LUIZ FUX
Ementa: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS
CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE LATROCÍNIO (CP, ART. 157, §
3º). MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO. (ECA, ART. 112,
§1º, E ART. 122, I). ORDEM PARCIALMENTE PREJUDICADA E, QUANTO AO
REMANESCENTE, DENEGADA.
b) a medida socioeducativa de
internação está devidamente fundamentada não apenas na gravidade do ato
infracional equiparado ao crime de latrocínio (CP, art.157, § 3º), mas também
na violência exercida contra a vítima, que integra o próprio tipo penal, e na
desajustada conduta social do paciente, viciado em drogas.
4. Ordem parcialmente
prejudicada e, quanto à parte remanescente, denegada.
HC N.
108.969-MG
RELATOR:
MIN. LUIZ FUX
Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES (ART. 155,
CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE
CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EXPRESSIVIDADE DO
COMPORTAMENTO LESIVO. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.
1. O princípio da
insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes
condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma
periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do
comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes:
HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 1/2/2011; HC
104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC
96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel.
Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009)
2. O princípio da
insignificância não se aplica quando se trata de paciente reincidente,
porquanto não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento lesivo. Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª
Turma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de
23/11/2010; HC 103359/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ 6/8/2010.
4. Anote-se a insubsistência
do argumento de ter o paciente restituído o bem à vítima e, por isso, pouca
implicação teria o fato de tratar-se de agente reincidente ou portador de maus
antecedentes para aplicação do princípio da insignificância. Consta do
inquérito que o acusado foi localizado pela autoridade policial, com parte da res
furtiva, minutos após ter subtraído o relógio de pulso, e, tendo a vítima
reconhecido a propriedade do bem e a pessoa que praticou o furto, foi efetuada
a prisão em flagrante delito.
5. Ordem denegada.
ADI N. 4.291-SP
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
ESTADO – RESPONSABILIDADE –
QUEBRA DA CONFIANÇA. A quebra da confiança sinalizada pelo Estado, ao criar,
mediante lei, carteira previdenciária, vindo a administrá-la, gera a respectiva
responsabilidade.
*noticiado no Informativo 652
HC N. 107.158-RS
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
Ementa: Habeas Corpus. Execução penal. Detração de
pena. Cômputo do período de prisão anterior à prática de novo crime.
Impossibilidade. Precedentes.
“Firme a jurisprudência deste
Supremo Tribunal Federal no sentido de que não é possível creditar-se ao réu
qualquer tempo de encarceramento anterior à prática do crime que deu origem a
condenação atual (...) não podendo o Paciente valer-se do período em que esteve
custodiado - e posteriormente absolvido - para fins de detração da pena de
crime cometido em período posterior” (HC 93.979/RS, rel. min. Cármen Lúcia, DJe
nº 112, publicado em 20.06.2008).
Ordem denegada.
ADI N. 3.847-SC
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Ação direta de inconstitucionalidade.
2. Lei estadual n. 13.921/2007, de Santa Catarina. 3. Serviço público de
telecomunicações. 4. Telefonia s fixa
e móvel. 5. Vedação da cobrança de tarifa de assinatura básica. 6. Penalidades.
7. Invasão da competência legislativa da União. 7. Violação dos artigos 21, XI,
22, IV, e 175, parágrafo único, da Constituição Federal. Precedentes. 8. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
*noticiado no Informativo 638
AR N. 1.527-RJ
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. ART. 8º DO ADCT. DECISÃO QUE AFASTOU A PRETENSÃO DO AUTOR EM
RELAÇÃO ÀS PROMOÇÕES POR MERECIMENTO COM BASE NA ENTÃO JURISPRUDÊNCIA DESTA
CORTE. MODIFICAÇÃO JURISPRUDENCIAL PARA CONSIDERAR QUE A NORMA DO CITADO ART.
8º ABARCA AS PROMOÇÕES POR MERECIMENTO. SÚMULA 343/STF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
INAPLICABILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. CONFIGURAÇÃO. AÇÃO
RECISÓRIA PROVIDA.
I – Cabe ação rescisória por
ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda
tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação
fixada pelo Supremo Tribunal Federal.
II – A atual jurisprudência do
Tribunal é no sentido de que a norma do art. 8º do ADCT apenas exige, para
concessão de promoções, na aposentadoria ou na reserva, a observância dos
prazos de permanência em atividade inscritos em lei e regulamentos.
III – Decisão que, ao aplicar
o art. 8º do ADCT, afasta as promoções por merecimento ou condicionadas por lei
à aprovação em curso de admissão e aproveitamento no curso exigido, autoriza
sua rescisão, com base no art. 485, V, do CPC.
IV - Ação Rescisória julgada
procedente.
AG. REG. NO AI N. 687.642-MG
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental
no agravo de instrumento. ISSQN. Possibilidade de dedução da base de cálculo
veiculada pelo Decreto-lei nº 406/68. Falta de prequestionamento. Ofensa ao
art. 5º, II, LIV, LV e XXXV. Reflexa. Multa de 50%. Fatos e provas. Súmula nº
279/STF.
1. Os arts. 5º, incisos II,
XXXV, LIII, LIV e LV; 37, caput; e 93, inciso IX, apontados como
violados, carecem do necessário prequestionamento.
3. O acórdão recorrido decidiu
pela inexistência de provas nos autos a comprovar que a situação da agravante
se enquadrava na situação descrita no Decreto-lei nº 406/68, o qual prevê a
possibilidade de dedução de certos valores dos materiais e subempreitadas no
cálculo do preço do serviço, para fins de ISS. Revolvimento de fatos e provas.
Incidência da Súmula nº 279/STF.
4. Razões insuficientes para
caracterizar, de plano, a irrazoabilidade e a desproporcionalidade da multa
fiscal aplicada em relação à hipótese dos autos, sendo certo que, no caso dos
autos, eventual efeito confiscatório da multa somente seria aferível mediante
averiguação do quadro fático-probatório, o que é vedado na via estreita do
recurso extraordinário (Súmula nº 279/STF).
5. Agravo regimental não
provido.
AG. REG. NO AI N. 837.707-RJ
RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Agravo regimental
no agravo de instrumento. Concurso público. Normas de edital. Validade.
Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Ofensa reflexa. Reexame de
provas. Impossibilidade. Precedentes.
3. Para ultrapassar o
entendimento do Tribunal de origem e acolher a pretensão da recorrente seria
necessário interpretar a legislação infraconstitucional pertinente e reexaminar
os fatos e provas dos autos, o que é inviável em sede de recurso
extraordinário. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279 desta Corte.
4. Agravo regimental não
provido.
AG. REG.
NO RE N. 602.184-SP
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO
CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. DÉBITO PROVENIENTE DE SENTENÇA
CONCESSIVA EM
MANDADO DE SEGURANÇA. SISTEMA DE PRECATÓRIO. ARTIGO 100 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA.
1. Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública estão
adstritos ao sistema de precatórios, nos termos do que dispõe o artigo 100 da
Constituição Federal, o que abrange, inclusive, as verbas de caráter alimentar,
não se excluindo dessa sistemática o simples fato do débito ser proveniente de
sentença concessiva de mandado de segurança. (Precedentes: AI n. 768.479-AgR,
Relator o Ministro Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 7.5.10; AC n. 2.193 REF-MC,
Relatora a Ministra Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe 23.4.10; AI n. 712.216-AgR,
Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe de 18.09.09; RE n.
334.279, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ de 20.08.04, entre
outros).
3. Ademais, o agravante não trouxe nenhum argumento capaz
de infirmar a decisão hostilizada, razão pela qual a mesma deve ser mantida por
seus próprios fundamentos
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
AG. REG. NO RE N. 479.927-PR
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. AQUISIÇÃO DE
INSUMOS FAVORECIDOS PELA ALÍQUOTA-ZERO E NÃO-TRIBUTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
2. Agravo regimental
desprovido.
AG. REG. NO RE N. 496.051-RJ
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. GRATIFICAÇÃO DE “RAIO-X”.
REDUÇÃO (LEI 7.923/1989). DIREITO ADQUIRIDO E IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
2. Agravo regimental
desprovido.
AG. REG. NO RE N. 536.356-SP
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. PIS. COFINS. LEI 9.718/1998. ERRO MATERIAL
ESCUSÁVEL.
1. O Plenário do Supremo
Tribunal Federal, ao julgar os REs 357.950, 390.840, 358.273 e 346.084,
apreciou a questão aqui debatida. Ao fazê-lo, este Tribunal: a) declarou a inconstitucionalidade
do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/1998 (base de cálculo do PIS e da Cofins), para
impedir a incidência do tributo sobre as receitas até então não compreendidas
no conceito de faturamento da LC 70/1991; b) entendeu desnecessária, no caso específico,
lei complementar para a majoração da alíquota da Cofins, cuja
instituição ocorrera com base no inciso I do art. 195 da Constituição Federal.
2. Descompasso entre as razões
da fundamentação e do pedido do recurso extraordinário. Erro material escusável.
3. Agravo regimental
desprovido.
Acórdãos Publicados: 279
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão
mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de
decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse
da comunidade jurídica.
Lei Maria da Penha (Transcrições)
(v.
Informativo 654)
ADI
4424/DF* e ADC 19/DF*
Relator: Min. Marco Aurélio
VOTO DO MIN. LUIZ FUX
Senhor
Presidente,
Vivemos
a era da dignidade. O Direito, que outrora bradava pela sua independência em
relação a outras ciências sociais, hoje torna arrependido ao seu lar: o Direito
reside na moral. Há, entre esses dois conceitos, uma conexão não apenas
contingente, mas necessária.
Vivemos
a era neokantiana. Ainda no Século XVIII, Immanuel Kant nos ensinava que,
independente de nossas crenças religiosas, é uma exigência da racionalidade
reconhecer que o ser humano não tem preço, tem dignidade, e que não é possível
fazer dele meio para a consecução do que quer que seja. É a sobrepujança do ser
sobre o ter. A cada dia essa lição, cravada no art. 1º, III, da Carta de
outubro, nos revela novas nuanças, em um aprendizado perene.
A
tendência expansiva do sobreprincípio constitucional da dignidade humana resta
bastante clara na doutrina de Maria Celina Bodin de Moraes, que dele extrai os
princípios da igualdade, da integridade física e moral (psicofísica), da
liberdade e da solidariedade (O conceito de dignidade humana: substrato axiológico
e conteúdo normativo. In: Constituição, direitos fundamentais e direito
privado. SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p. 119).
Analisando
a filosofia Kantiana, Michael Sandel, professor de Harvard, ensina que alguns
preceitos básicos de justiça, como a igualdade, se utilizados
indiscriminadamente, podem conduzir à barbárie e à ruína da dignidade humana.
Nas suas palavras: “a ideia de que somos donos de nós mesmos, se aplicada de
maneira radical, tem implicações que apenas um libertário convicto poderia
apoiar; um Estado mínimo, o que exclui a maioria das medidas para diminuir a
desigualdade e promover o bem comum; e uma celebração tão completa do
consentimento que permita ao ser humano infligir afrontas à própria dignidade”
(SANDEL, Michael. Justiça: O que é fazer a coisa certa. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011. p. 135-136).
A
Lei Maria da Penha reflete, na realidade brasileira, um panorama moderno de
igualdade material, sob a ótica neoconstitucionalista que inspirou a Carta de
Outubro de 1988 teórica, ideológica e metodologicamente. A desigualdade que o
diploma legal visa a combater foi muito bem demonstrada na exposição de motivos
elaborada pela Secretaria de Proteção à Mulher:
Ao longo dos últimos anos, a
visibilidade da violência doméstica vem ultrapassando o espaço privado e
adquirindo dimensões públicas. Pesquisa da Pesquisa Nacional de Amostra
Domiciliar - PNAD do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, no
final da década de 1980, constatou que 63% das agressões físicas contra as
mulheres acontecem nos espaços domésticos e são praticadas por pessoas com
relações pessoais e afetivas com as vítimas.
Para
enfrentar esse problema, que aflige o núcleo básico da nossa sociedade – a
família – e se alastra para todo o corpo comunitário por força dos seus efeitos
psicológicos nefastos, é necessária uma política de ações afirmativas que
necessariamente perpassa a utilização do Direito Penal.
A
adoção das ações afirmativas é o resultado de uma releitura do conceito de
igualdade que se desenvolveu desde tempos remotos. Na clássica obra
Aristotélica “A Política”, o filósofo já ponderava que “A primeira espécie
de democracia é aquela que tem a igualdade por fundamento. Nos termos da lei
que regula essa democracia, a igualdade significa que os ricos e os pobres não
têm privilégios políticos, que tanto uns como outros não são soberanos de um
modo exclusivo, e sim que todos o são exatamente na mesma proporção.”
A
nossa Carta Magna herdou da experiência norte americana a expressa consagração
da igualdade, que, a bem de ver, é mesmo um princípio da razão prática. A Virginia
Bill of Rights de 1776 foi o primeiro diploma constitucional a homenagear
esse preceito, no seu artigo 4º, posteriormente repetido na Declaração francesa
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, logo no primeiro artigo. Era,
porém, uma concepção liberal da igualdade, simplesmente formal, ignorando a
diferença de condições sociais entre os sujeitos igualados.
A
partir do Estado Social de Direito, cujo marco é o conhecido welfare state,
percebeu-se que a atitude negativa dos poderes públicos era insuficiente para
promover, de fato, a igualdade entre as pessoas. Exige-se uma atitude positiva,
através de políticas públicas e da edição de normas que assegurem igualdade de
oportunidades e de resultados na divisão social dos bens escassos. Na lição de
Canotilho, não há igualdade no não direito (Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. Almedina, 7 ed., 2003. p. 427).
Esse
senso de discriminação positiva foi analisado com maestria pelo Min. Joaquim
Barbosa em sede doutrinária, verbis:
“Em
Direito Comparado , conhecem-se essencialmente dois tipos de
políticas públicas destinadas a combater a discriminação e aos seus efeitos.
Trata-se, primeiramente de políticas governamentais de feição clássica,
usualmente traduzidas em normas constitucionais e infraconstitucionais de
conteúdo proibitivo ou inibitório da discriminação. Em segundo lugar, de normas
que ao invés de se limitarem a proibir o tratamento discriminatório,
combatem-no através de medidas de promoção, de afirmação ou de restauração,
cujos efeitos exemplar e pedagógico findam por institucionalizar e por tornar
trivial, na sociedade, o sentimento e a compreensão acerca da necessidade e da
utilidade da implementação efetiva do princípio universal da igualdade entre os
seres humanos.”
(BARBOSA GOMES, Joaquim B. Ação afirmativa & princípio
constitucional da igualdade – o Direito como instrumento de transformação
social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 49)
Sendo
estreme de dúvidas a legitimidade constitucional das políticas de ações
afirmativas, cumpre estabelecer que estas se desenvolvem também por medidas de
caráter criminal. Uma abordagem pós-positivista da nossa Carta Magna infere dos
direitos fundamentais nela previstos deveres de proteção (Schutzpflichten)
impostos ao Estado. Como o Direito Penal é o guardião dos bens jurídicos mais
caros ao ordenamento, a sua efetividade constitui condição para o adequado
desenvolvimento da dignidade humana, enquanto a sua ausência demonstra uma
proteção deficiente dos valores agasalhados na Lei Maior.
Ingo
Sarlet, em estudo sobre a proteção deficiente no Direito Penal, empreendeu a seguinte
análise:
“cumpre sinalar que a crise de
efetividade que atinge os direitos sociais, diretamente vinculada à exclusão
social e falta de capacidade por parte dos Estados em atender as demandas nesta
esfera, acaba contribuindo como elemento impulsionador e como agravante da
crise dos demais direitos, do que dão conta – e bastariam tais exemplos para
comprovar a assertiva – os crescentes níveis de violência social, acarretando
um incremento assustador dos atos de agressão a bens fundamentais (como tais
assegurados pelo direito positivo) , como é o caso da vida, integridade física,
liberdade sexual, patrimônio, apenas para citar as hipóteses onde se registram
maior número de violações, isto sem falar nas violações de bens fundamentais de
caráter transindividual como é o caso do meio ambiente, o patrimônio histórico,
artístico, cultural, tudo a ensejar uma constante releitura do papel do Estado
democrático de Direito e das suas instituições, também no tocante às respostas
para a criminalidade num mundo em constante transformação.
A partir destes exemplos e das
alarmantes estatísticas em termos de avanços na criminalidade, percebe-se, sem
maior dificuldade, que à crise de efetividade dos direitos fundamentais
corresponde também uma crise de segurança dos direitos, no sentido do flagrante
déficit de proteção dos direitos fundamentais assegurados pelo poder público,
no âmbito dos seus deveres de proteção (...). Por segurança no sentido
jurídico (e, portanto, não como equivalente à noção de segurança pública ou
nacional) compreendemos aqui – na esteira de Alessandro Baratta – um atributo
inerente a todos os titulares de direitos fundamentais, a significar, em linhas
gerais (para que não se recaia nas noções reducionistas, excludentes e até
mesmo autoritárias, da segurança nacional e da segurança pública) a efetiva
proteção dos direitos fundamentais contra qualquer modo de intervenção
ilegítimo por parte de detentores do poder, quer se trate de uma manifestação
jurídica ou fática do exercício do poder.”
(SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e Proporcionalidade: o
direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de
insuficiência. In: Revista de Estudos Criminais n. 12, ano 3, 2003. p. 86 e
segs.)
Uma
Constituição que assegura a dignidade humana (art. 1º, III) e que dispõe que o
Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito das suas
relações (art. 226, § 8º), não se compadece com a realidade da sociedade brasileira,
em que salta aos olhos a alarmante cultura de subjugação da mulher. A
impunidade dos agressores acabava por deixar ao desalento os mais básicos
direitos das mulheres, submetendo-as a todo tipo de sevícias, em clara afronta
ao princípio da proteção deficiente (Untermassverbot).
Longe
de afrontar o princípio da igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I, da
Constituição), a Lei nº 11.340/06 estabelece mecanismos de equiparação entre os
sexos, em legítima discriminação positiva que busca, em última análise,
corrigir um grave problema social.
Por
óbvio, todo discrímen positivo deve se basear em parâmetros razoáveis, que
evitem o desvio de propósitos legítimos para opressões inconstitucionais,
desbordando do estritamente necessário para a promoção da igualdade de fato.
Isso porque somente é possível tratar desigualmente os desiguais na exata
medida dessa desigualdade. Essa exigência de razoabilidade para a edição de
ações afirmativas foi muito bem analisada por Canotilho:
“(...) o princípio da igualdade
é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. O
arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação do
princípio da igualdade. Embora ainda hoje seja corrente a associação do
princípio da igualdade com o princípio da proibição do arbítrio, este
princípio, como simples princípio de limite, será também insuficiente se não
transportar já, no seu enunciado normativo-material, critérios possibilitadores
da valoração das relações de igualdade ou desigualdade. Esta a justificação de
o princípio da proibição do arbítrio andar sempre ligado a um fundamento
material ou critério material objectivo. Ele costuma ser sintetizado da forma
seguinte: existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a
disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um
sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento
razoável.”
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. Almedina, 7 ed., 2003. p. 428)
Bem
por isso, o afastamento da constitucionalidade da Lei Maria da Penha seria uma
atividade essencialmente valorativa, acerca da razoabilidade dos fundamentos
que lhe subjazem e da capacidade de seus institutos para colimar os fins a que
se destina. É que, no campo do princípio da igualdade, qualquer interpretação
da medida escolhida pelo Parlamento pressupõe seja feito um juízo de valor. No
entanto, salvo em casos teratológicos, a decisão do legislador deve ser
prestigiada. Se não é factível defender que jamais será possível a intervenção
do Judiciário nessa matéria, nem por isso se pode postular um excessivo
estreitamento das vias democráticas.
Aqui
se impõe uma postura de autocontenção do Judiciário (judicial self-restraint),
na feliz expressão de Cass Sunstein (One Case At A Time. Judicial Minimalism
On The Supreme Court. Cambridge: Harvard University Press. 1999), sob pena de indevida incursão na atividade
legislativa.
Nesse
ponto, é essencial invocar as ponderações de Robert Alexy, quando enfrentou
idêntico problema no ordenamento alemão:
“Saber o que é uma razão suficiente
para a permissibilidade ou a obrigatoriedade de uma discriminação não é algo
que o enunciado da igualdade, enquanto tal, pode responder. Para tanto são
exigíveis outras considerações, também elas valorativas. E é exatamente a esse
ponto que são direcionadas as críticas fundamentais acerca da vinculação do
legislador ao enunciado geral da igualdade. Essas críticas sugerem que uma
tal vinculação faria com que o Tribunal Constitucional Federal pudesse impor
sua concepção acerca de uma legislação correta, razoável e justa no lugar da
concepção do legislador, o que implicaria um ‘deslocamento de competências
sistemicamente inconstitucional em favor do Judiciário e às custas do
legislador’. Essa objeção, que, no fundo, sugere que o Tribunal
Constitucional Federal se transformaria em uma corte de justiça com
competências ilimitadas que decidiria sobre questões de justiça, pode, no
entanto, ser refutada.
(...) Se há casos nos quais estejam
presentes razões suficientes para a admissibilidade mas não para a obrigatoriedade
de um tratamento desigual, então, há também casos nos quais o enunciado geral
da igualdade não exige nem um tratamento igual, nem um tratamento desigual, mas
permite tanto um quanto o outro. Isso significa que ao legislador é
conferida uma discricionariedade.
(...) Nesse sentido, não se pode
argumentar que a vinculação do legislador ao enunciado da igualdade faz com que
ao Tribunal Constitucional Federal seja conferida uma competência para
substituir livremente as valorações do legislador pelas suas próprias. É
possível apenas argumentar que o enunciado geral de liberdade confere ao
tribunal determinadas competências para definir os limites das competências do
legislador.”
(ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. trad.
Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 411-413)
Por
isso, Senhor Presidente, não é possível sustentar, in casu, que o
legislador escolheu errado ou que não adotou a melhor política para combater a
endêmica situação de maus tratos domésticos contra a mulher. Vale lembrar que a
Lei Maria da Penha é fruto da Convenção de Belém do Pará, por meio da qual o
Brasil se comprometeu a adotar instrumentos para punir e erradicar a violência
contra a mulher. Inúmeros outros compromissos internacionais foram assumidos
pelo Estado brasileiro nesse sentido, a saber, a Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), o Plano de Ação da
IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995), o Protocolo Facultativo aÌ
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher, dentre outros.
Justifica-se,
portanto, o preceito do art. 41 da Lei nº 11.343/06, afastando-se todas as disposições
da Lei nº 9.099/95 do âmbito dos crimes praticados contra a mulher no âmbito
doméstico e familiar. Ao suposto ofensor, não serão conferidos os institutos da
suspensão condicional do processo, da transação penal e da composição civil dos
danos.
Do
mesmo modo, os delitos de lesão corporal leve e culposa domésticos contra a
mulher independem de representação da ofendida, processando-se mediante ação
penal pública incondicionada. O condicionamento da ação penal à representação
da mulher se revela um obstáculo à efetivação do direito fundamental à proteção
da sua inviolabilidade física e moral, atingindo, em última análise, a
dignidade humana feminina. Tenha-se em mente que a Carta Magna dirige a atuação
do legislador na matéria, por incidência do art. 5º, XLI (“a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”)
e do art. 226, § 8º (“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa
de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações”).
No
que atine à competência prevista no art. 33, a Lei
Maria da Penha também não merece reparos. Uma adequada proteção da mulher
demanda uma completa análise do caso, tanto sob a perspectiva cível quanto
criminal. Desse modo, é essencial que o mesmo juízo possua competências cíveis
e penais, sem que se possa nisso vislumbrar ofensa à competência dos Estados
para dispor sobre a organização judiciária local (art. 125, § 1º c/c art. 96,
II, d, CRFB).
Ex
positis, voto pela total procedência
da ADI nº 4.424 e da ADC nº 19, nos termos pleiteados pelos proponentes.
* acórdãos pendentes de publicação
Inovações legislativas
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Poder Judiciário - Cargo efetivo - Quadro de pessoal -
Redistribuição
Resolução nº 146/CNJ, de 6 de março de 2012 – Dispõe sobre o instituto da redistribuição de
cargos efetivos dos quadros de pessoal dos órgãos do Poder Judiciário da União.
Publicada no DJE/CNJ, n. 39, p. 2-3 em 8/3/2012.
Poder Judiciário - Precatório - Gestão
Resolução nº 145/CNJ, de 2 de março de 2012 – Acrescenta e altera dispositivos da Resolução nº
115 do CNJ, que dispõe sobre a Gestão de Precatórios no âmbito do Poder
Judiciário. Publicada no DJE/CNJ, n. 36, p. 2 em 5/3/2012.
Tribunal Regional do Trabalho (TRT) - Diretor -
Indicação - Secretaria - Vara do trabalho - Juiz titular
Resolução nº 147/CNJ, de 7 de março de 2012 – Determinar aos Tribunais Regionais do Trabalho que
a indicação do diretor de secretaria das Varas do Trabalho, na forma do art.
710 da Consolidação das Leis do Trabalho, compete, de forma discricionária, ao
juiz titular, preferencialmente entre bacharéis em Direito, salvo
impossibilidade de atender ao requisito. Publicada no DJE/CNJ, n. 39, p. 3-4 em
8/3/2012.
Secretaria de
Documentação – SDO
Coordenadoria
de Jurisprudência Comparada e
Divulgação de Julgados – CJCD
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